Saturday, October 10, 2020

A Biblioteca de Alexandria e o Domaine Gourt

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Introito

Melhor um ano antes do que um dia depois.
Don Flavitxo Vinhoão
   Assim Don Flavitxo Vinhobão enunciou uma de suas máximas, há muito tempo. As palavras são sábias, mas este Enochato gosta do perigo, do flerte com o imponderável, do risco... e da paciência. Preciso ponderar que às vezes exagero. E, quando o filho é único, você escolhe uma das idades, jovem, maduro ou mais envelhecido e, bebeu, é aquilo. Não há como comparar. Por outro lado, muitos vinhos podem apresentar-se incompletos na mais tenra idade. Diamantes não lapidados brilham pouco... Assim fui deixando muitas gemas para um momento melhor sob o risco. O tempo passou, e ainda vieram a pandemia, outros problemas com amigos muito caros, e eis que chega a roda viva, e carrega o destino prá lá... No final, e por merecimento (rs), decretei que outubro será um mês de descarrego. Por A ou por B, embora A + B não prova nada, saquei um vinho de pé para ver como era...

Vinho de pé (Vin de Pays)

   O Vin de Pays (VdP) é, tecnicamente, uma categoria baixa dentro da escala francesa. Está acima do simples Vinho de Mesa (Vin de Table - VdT), e abaixo do Appellation d'Origine Contrôlée ( AOC). Para quem está acostumado com Borgonhas, olhar par um vinho e constatar que não é nem AOC, soa como um desapontamento. Não é bem assim... às vezes o VdP assume a mesma proporção que o IGT na Itália: para fugir às regras e restrições impostas a uma região, o produtor assume o ônus de rotular seu vinho em uma categoria mais simples. É um risco. O que seria da História sem Júlio Cesar e seu veni, vidi, vici? Viva o risco!

Rasteau 

   Rasteau é uma AOC do sul do Rhône. O leitor mais esperto já percebeu que um potencial corte - muito famoso, aliás - para o vinho pode ser o famoso GSM (Grenache, Syrah e Mourvèdre). Claro, outras cepas também são permitidas por ali, e a Wiki nos dá uma ideia acerca delas. Rasteau parece que era um território obscuro no mapa vitivinícola francês, mal sendo citado entre os distritos que compõem a macro-região conhecida como Côtes-du-Rhône Villages AOC. Até aparecer por ali um certo Jérôme Bressy...

Jérôme Bressy e o Domaine Gourt de Mautens 

   Jérôme Bressy fundou o Domaine Gourt de Mautens em 1996. A página do produtor pode ser classificada, sem qualquer traço injustiça, como extremamente sumária. Encontra-se mais informação aqui. O Domaine produz três vinhos: um rosé, um branco e um tinco. Prontocabou! (sic). É democrático, oferece opção para todos os gostos, desde que você se contente com uma opção do tipo que escolheu. Deve ser fã do Henry Ford - com todas as ressalvas históricas, claro - e seguir uma das máximas do inventor: Any customer can have a car painted any color that he wants so long as it is black.

Domaine Gourt de Mautens tinto

Domaine Gourt de Mautens tinto foi comprado em algum lugar dos EUA há muito tempo. Repousou em minha adega por uma década, ou quase. Paguei uns 45 dóla, o que deve ter sido R$ 100,00, algum dia. Hoje um vinho desses custaria aqui 45 x 3 (margem média de algumas importadoras) x 6,00 (dóla) = R$ 800,00. 😓 Perceba o quanto empobrecemos. Era 100,00...  Ainda bem que nenhum idiota o traz - já pensou, acharmos a R$ 1.200,00?, então fiquemos com a conta inicial. Aos 13 anos nas costas, preciso dizer, para gáudio de uns, tristeza de outros, que o imponderável apareceu, na rolha... estava um tanto infiltrada. Mas não se entristeçam os amantes do vinho, ele não se perdeu. Olha, tenho um baita preconceito com esses filmecos onde o personagem anda sempre no limite, e quase morre cenas e cenas ad nauseam. Sempre acho que esse tipo de besteira só acontece nos filmes...
Tirei o lacre de Domaine Gourt de Mautens 2007 e imediatamente fiquei preocupado. Um dos lados da rolha estava escurecido. Deixei o saca-rolhas comum de lado e puxei o saca-rolhas de lâminas. A rolha saiu inteira, e evidenciou que estava infiltrada. O coração partiu... peguei o que encontrei na frente - uma xícara de café - e despejei um pouco do vinho. Cafunguei. O coração partiu de novo... Deixei ali e fui preparar a comida, enquanto pensava no que poderia abrir no lugar. Voltei alguns minutos depois e cafunguei. Ôpa... aparecera alguma fruta. Escrevo agora, bem ao final da garrafa. O vinho evoluiu. Não sei o quanto a infiltração pode tê-lo alterado. Nariz com café, fruta negra. Mais camadas, mas falta melhor degustador para decifrá-las. Boca com dulçor diferente, mineralidade marcada, fruta negra, especiado. Taninos muito presentes, final largo, persistente. Um vinho difícil de entender, diferente. Por isso, não dá para chamar de felicidade engarrafada. Esse vinho não é seu amigo... não no sentido de que o agrada com uma conversa afável, fácil, tranquila. É meu amigão pelo desafio de entendê-lo! Agora no final, percebo que o paladar também contém mais camadas do que este boca-torta pode discernir - mas ainda assim dou conta de sua complexidade. Realmente gostaria de provar uma versão um pouco mais nova dele... ou deixar uma safra antiga aerar um pouco mais. Se o leitor encontrar com uma garrafa dessas na frente, não tenha muita dúvida: saque logo (a carteira) e atire (compre) sem perguntar. Uma das maneiras que meço um vinho é refletindo sobre o quanto gostaria de tê-lo repartido. O leitor que desconfia o quanto se perdeu com o incêndio na Biblioteca de Alexandria e hoje não imaginamos da existência, pode ter uma ideia do que sinto ao ter bebido este vinho sozinho. 😢

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🐭 Rata!
Um erro grosseiro de escrita foi detectado por Don Flavitxo e revisado no texto. Meus agradecimentos.

5 comments:

  1. Bela postagem, Big Charles... Talvez um pouco ubriado, visto que deixou até escapar uma xícara com "ch"...rsrs. Efeito do vinho, que pela descrição, é do tipo que me agrada. Apesar de seu preço fora não ser convidativo frente a colegas do Rhone Sul.
    Abraços,
    Falaveo

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  2. *ubriaco"... teclado maledeto do iPhone

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    1. Vixe, chícara foi demais. Certo que bebi quase toda a garrafa, mas não é desculpa. Até porque editor 'avisa' a grafia errada...
      Olha... preço por preço, não é muito convidativo não, mas a experiência foi singular. Achei que valeu a pena.

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    2. Sim, concordo. Muitas vezes a boa experiência compensa o preço.
      Quanto ao editor, provavelmente também estava ubriaco...kkk. Ainda mais na hora que foi feita a postagem.
      abs

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    3. Sim, fiquei até mais tarde, apreciando o vinho. Resolvi deixar uma taçinha para o dia seguinte... estava igualmente bom...

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