Wednesday, February 17, 2021

Um feliz reencontro

Introito

   A confraria principal andava às traças. Também pudera: pandemicamente falando (sic), todos andam ressabiados. Ademais, o infortúnio levou-nos o confrade Wilson para... o Olimpo?... o Céu?... o... o... como se chama o Céu para os japoneses? Bem, ele se foi. Levou um pedaço dos nossos corações em sua subida, que às vezes nos devolve na forma de sonhos com ele mesmo. No domingo a sra. N, dona Neusa, que debutou no blog em 2016, resolveu que era passado o luto e, ela vacinada, marcamos um encontro. O Ghidelli, que perdeu a mãe porque Tânato estava preocupado com a concorrência (ela tinha 97) foi o participante convidado. Pena o Jaci não poder comparecer. Akira veio. Para receber a Dona Neusa após praticamente um ano sem contato, decidi com o Akira que abriríamos algo que valesse a pena após tanto tempo afastados. Eu tinha passado por (mais) um perrengue com Don Flavitxo, e resolvi que colocaria suas concepções à prova. Doesse a quem doesse... desde que fosse nele... 😝

Vinhos, vinhos à mão cheia

Oh! Bendito o que semeia
Livros à mão cheia
E manda o povo pensar!
Castro Alves, Espumas Flutuantes, 1870

   Acho que já citei esse trecho de Espumas Flutuantes, que particularmente gosto muito. Li há uns 40 anos... Atualmente aprecio pelo paralelo com o vinho quando este nos traz certa satisfação: vinhos à mão cheia, que faz as pessoas felizes... E são muitas felicidades, na verdade: a do vinho pelo vinho, das experiências que ele nos proporciona, e quando acontece, a dos reencontros. Quando os convivas chegaram, enquanto terminava o preparo das quitutes, abri o branco, que servi com queijos e xarxicha (sic) de vitela. Como se nada pudesse melhorar - piorar sempre pode, comentei isso aqui avisando que sempre dá pra jogar mais um quilo de m... ao que já está suficientemente ruim - mas enfim, como se nada pudesse melhorar, o Ghidelli ainda aparece com um pão caseiro de sua última fornada. Simplesmente um luxo... (veja em 1min50).

Venham os meninos (e a menina)

Ao centro, não necessariamente o Redentor...
 La Chablisienne Chablis Grand Cru Les Preuses 2014: um Chablis que me fez perguntar se era cítrico - e que o Akira achou que não tivesse essa característica tão marcada. Les Preuses é tido como um climat onde de fato esse aspecto dos vinhos de Chablis não aparece tanto, vide aqui. Bem, não conheço muito de Chablis... apenas sei que gosto. E esse La Chablisienne combinou muito bem com Gouda e Gruyère - mas bem... são combinações clássicas. A surpresa foi a xarxicha (sic) de vitela. Sua acidez muito elegante combinou bem com todas as propostas. Alguém falou 'abacaxi' no nariz. E 'damasco' também. Muito rico, vinho de encher a boca, com final longo e ótima persistência.  Dona Neusa trouxe esse vinho de NY, quando esteve lá, há uns 3 anos. Ótima compra. Aberto e aerado em decantador uma hora antes da chegada da turma, e passado de volta para a garrafa, o próximo foi o Korem 2015. Já havia experimentado dele há algum tempo - não postei. Mas aquela experiência foi a 'deixa' para começar a estocar Korem como se não houvesse amanhã (rs). Seu peço no Brazio estava pornográfico enquanto uma importadora tubarona o trazia, e caiu quase pela metade(!) 😛 nas mãos da Enoeventos. Diz (sic) que ainda tem uma garrafas lá... Fruta vermelha muito viva, chocolate - é um vinho longevo, bebi safras com 10 anos que pareciam novas - muito especiado, boca também rica. É corte de castas típicas da Sardenha: Bovale, Carignano e Cannonau (o sítio do importador não especifica as proporções), tem graça e equilíbrio. Pelo preço aqui, é de longe o sinônimo de felicidade engarrafada mais completo e acabado que experimentei nos últimos tempos. Se custasse 500tão não seria...

Depois de um perrengue com Don Flavitz acerca da idade para se beber Xatenêfis - e tudo quanto é vinho, também - ele veio com essa: Xatenêfis podem ser bebidos em 3 anos. Claro, dito por um bebedor de Barolos com 5 anos... Mas note, 3 anos.  'Escalei' um Xatenêfi com mais de 5 anos, um Chateau de Beaucastel Chateauneuf-du-Pape 2015. Também trazido pela D. Neusa, aerou uma hora em decantador e ficou mais umas 3 horas em garrafa, enquanto os outros vinhos eram consumidos - houve uma pausa enquanto preparamos um bifão para acompanhá-lo. O Ghidelli ficou falando durante meia hora: "Fechado, Fechado, Fechado...". O Akira repetia somente duas vezes o 'fechado', a intervalos regulares... Estava bom, mas... fechado (risos!). Boa fruta, acho que o Ghidelli falou 'carne', sim, um tostado no nariz que adentrava quase até a alma. Corpo médio, taninos indômitos (sic) faziam um peso que o tempo seguramente equilibrará. "É muito vinho" bradava o Ghidelli, enquanto sorvia um tanto e suspirava, com o olhar distante. Dona Neusa apenas sorria, encantada: "Veio naquela viagem a NY?". Ara, o degas aqui (sic) foi quem comprou as duas caixas que vieram daquela empreitada de parte da família Tachibana ao centro mundo civilizado. Beaucastel, apesar de ser um vinho de corpo médio, acidez muito equilibrada, estava de fato um tanto 'nervoso'.  O que, curiosamente, não impediu que mostrasse sua classe. Veremos a seguir.

Aqui o ponto ao qual sempre volto. O de que o demônio mora nos detalhes. Já escrevi algo como 'os melhores vinhos sempre encontram as taças antes', ou algo assim. Faça o teste por si qualquer hora. E, se fizer às cegas, verá o quanto essa é uma regra de ouro. Beaucastel estava nervoso. Foi servido depos de Korem, que estava 'um mel'. Veja-se acima a garrafa de Beaucastel praticamente vazia, enquanto a de Korem - repito, servido primeiro - felicidade engarrafa que é, acabou ficando para trás e ainda sobram-lhe uns bons 4 ou 5 dedos quando Beaucastel já ia consumido e acabado - a despeito de todos seus 'problemas'. Acontece que Beaucastel é um vinhão, e mesmo servido fora de seu melhor momento ainda é muito mais vinho do que 'muito vinho muito bom' (sic). Isso pode soar conversa mole para boi dormir, mas o fato não pode ser negado. Por que Beaucastel secou enquanto Korem... sobrou?(!) Korem é outro ótimo vinho... Tem certos mistérios que esse Enochato não sabe explicar. Já havia bebido esse vinho em sua safra 2007, com 7 anos, em 2014. Está aqui a avaliação do próprio Don Flavitz. Em suas palavras de então, O vinho vai se transformando. É um camaleão! Característica de grandes vinhos. Isso não se repetiu para o mesmo vinho com apenas 5 anos... 

Fechamento

Um evento de reencontro como esse não poderia ter um final menos que apoplético apoteótico... desci para a adega e peguei um Porto da Adriano Ramos Pinto, um Adriano Reserva Particular sem vintage. É somente rotulado como 'vinho do Porto', tão antigo que era anterior a esse modismo de Ruby, Tawny, etc... (risos!). Não, não, não é assim... esse apenas não era rotulado como tal. Não sei explicar, precisaria consultar melhor a legislação. Estava oxidado, mas não da maneira como eu gostaria mais. Não estava com aquele toque de noz tão típico que alguns vinhos verdadeiramente oxidados alcançam, mas nem por isso apresentou-se menos 'diferente'. Cor bem atijolada, nariz com aquele dulçor típico dos Porto - não resisti e peguei mais uma taça agora, enquanto escrevo - dulçor que repete-se na boca e dá tanta tipicidade aos Portos em geral. Os 19,5% de álcool não aparecem. Parece ter cereja na boca... e alegra o fundo da alma, também. Fazia um certo tempo que não bebia um Porto oxidado. Foi outro feliz reencontro...

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