Saturday, March 27, 2021

Para onde ele aponta

Introito

   Sextou, dia de vinho. Desci para a adega escolher alguma coisa. No caminho, em meio a outros pensamentos, lembrei-me de uma cena de Excalibur: Perceval, ainda o cavalariço de Lancelot, esbarra em Merlin com uma pergunta. Follow your nose, é a resposta do mago. Sem compreender bem, o inocente rapaz vai seguindo seu próprio nariz e chega ao destino, a cozinha do Castelo de Camelot. Assim, ao pé da escada, resolvi seguir meu nariz. Lembrando-me, claro, que havia comprado quatro garrafas de um bom português em excelente 'promo' logo na hora do almoço. Foi assim, seguindo a rota apontada pelo nariz, que cheguei em frente a um vinho do Douro. Se já tinha comprado mais portugas, bem que poderia 'sacrificar' um agora. Talvez o leitor mais ligado já tenha decifrado a estória. Os demais, farei sofrer um pouco mais...

Resenha de filme: Excalibur (1981)

Normalmente deixo as resenhas para o final da postagem; é um plus a mais (sic! rs!) que ofereço ao leitor que se arrastou até as últimas linhas dos comentários sobre o que degustei. E oras, como vou esticar a conversa e torturar um pouco mais meu nobre leitor antes de comentar sobre o vinho de hoje? Ninguém o impede de pular a resenha, mas sei que meu fiel leitor não fará isso... Lembro-me de assistir a Excalibur no cinema. Saí da sessão impressionado, a ponto de voltar um ou dois dias depois para uma reprise. Algum tempo depois fiz uma gravação de fita de vídeo para vídeo, depois comprei o DVD, e reassisti regularmente ao longo dos anos. Recentemente assisti mais uma vez, em alta definição. Para mim é um filme que aposentou tudo o que se filmou antes sobre o tema, e jogou pesada sombra sobre tudo o que se filmou depois. Parece que sim, refilmaram algo. Duvido - du-vi-do - que tenha sido bom. Porque? Excalibur é essencialmente um filme com fortes imagens, às vezes belas, outras vezes de crua violência e outras, ainda, de grande simbolismo. A trilha realça todos os momentos do filme, e os mais marcantes tornam-se simplesmente espetaculares. Destaco duas: a abertura do filme seguida da batalha da abertura, ambas ao som de A Marcha Fúnebre para Siegfried, de Wagner, e o momento quando, depois que está posta para o espectador a ligação entre o Rei e a terra e Arthur alcança a redenção ao beber do Graal trazido pelo já Cavaleiro Perceval, a marcha para a batalha final, ao som de O Fortuna, de Orff, que é arrebatadora. Pode assistir às cenas, principlamente a última, não há antecipação de qualquer fato importante para a narrativa. Se já assistiu, sabe que revisitar essa obra é muito melhor do que a maior parte das produções dos últimos tempos. Se não assistiu, largue tudo, inclusive esta leitura, e corra assistir. Depois me confirma que valeu a pena trocar estas mal traçadas linhas por aquelas bem transadas cenas.

Quinta da Romaneira Syrah Apontador 2016

Já falei um pouco da Quinta da Romaneira. Está aqui. Este Apontador é um vinho de 'alto padrão' da vinícola. Escrevo em sua terceira hora de aberto. A combinação, claro, foi o tradicionalíssimo deste cozinheiro de um prato só, o medalhão de filé ao molho gorgo. Gorgo é um monstro do cinema. Meu molho gorgo é monstruoso, mesmo 😝. Combinaram muito bem, porque o vinho é realmente gastronômico. Mas nem tudo foi festa ou felicidade... Apontador, desde o início, tem um nariz explosivo em fruta e especiaria. O álcool, sobrando um pouco no começo, acertou-se. Mas sente-se que o nariz, apesar de marcado, tem um quê de fechado. A boca é potente - daí que pede comida - a especiaria repete-se de forma muito marcada. A acidez, essa sim, está viva, vivíssima, o que não compromete, pelo contrário. Tem aquele travo de doce que associo mais facilmente com portugueses, que não é enjoativo. Os taninos estão um pouco pegados. Mais ou menos redondos, mas mais pegados, se o leitor me entende. A madeira aparece um pouco. Ou seja: está fechado também na boca. Mesmo com três horas de aeração. Sobrou um pouco na garrafa, e posso apostar que amanhã não estará melhor. Aeração aqui não é a questão. A aeração produz um envelhecimento diferente daquele produzido pelo tempo. Então nem tudo foi felicidade porque Apontador está fragrantemente novo; precisa de uns cinco anos para se desenvolver. Se abrir agora, ele vai impressionar mas deixará as arestas bem evidentes. Quando tudo se arredondar, será um vinhaço. Ainda bem que comprei três garrafas...
Apontador tem ainda uma cor escura, para mim mais identificável com a Syrah, seja em vinhos chilenos, do norte do Rhône ou australianos. A combinação tanino e acidez tornam-no em um 'potente' do tipo que eu gosto, quando a potência precisa tomar o lugar da sutileza. Paguei, durante o ano passado, cerca de R$ 180,00, em 'promo'. Hoje está R$ 400,00. Vejamos: é um vinho de USD 50,00, preço 'lá'. Se fizermos um dóla amistoso (sic) de R$ 4,00, então USD 50 x R$ 4,00 = R$ 200,00, e seu preço cá, R$ 400,00, é o dobro. Como o dóla não está R$ 4,00, seu preço deve ser considerado uma pechincha, já que 'o dobro' é a marca registrada das casas que praticam margens honestas por aqui. Afinal, temos uma taxação algo como 45% superior (aqui deve ser uns 65%, enquanto na Europa é de 20%). Às vezes o vinho entra em 'promo' na Lovino, o importador, mas não mais a esse preço. Não custa ficar de olho, e se entrar em 'promo' por qualquer valor abaixo de R$ 400,00, lembre-se de que é um vinho para guardar. Para onde ele aponta? Ora, o leitor mais atento percebeu faz tempo: felicidade engarrafada no mais amplo sentido, para quem tiver tempo e paciência, escapando da tentação do consumo rápido. Compre, se couber no bolso, que vale a pena. E, comprando, guarde, que valerá a pena bem mais.

Post scriptum/Rata! 🙈

   Experimentado no dia seguinte, Apontador arredondou um pouco no nariz. A boca também cedeu um pouco, mas a impressão de estar fechado persistiu. Mais na boca. Pondero que, aberto esse vinho, a tendência é não sobrar. A galera vai mamar dele até o final, sem direito a dia seguinte. Na abertura, estará fechado (sic! rs!). Se o bebedor desejar abrir com 12 ou 14 horas de antecedência está bem, mas não vai desfrutar de todo seu potencial. Apontador '16 está com seu destino traçado, ele será uma estrela. Não o é, mas será. Agora, se você bebe como se não houvesse amanhã, então tá bom, é. A errata é relativa ao preço. Paguei R$ 197,00 em 29 de julho de 2020. Se pegar uma promo a uns R$ 250,00 e tiver bala, não vacile; avance nele.

12 comments:

  1. A errata foi só pelos 17 Reais? Muito pouco... Pensei que fosse algo mais sério... rs.

    Mas Carlão, estou profundamente decepcionado com você. Onde já se viu beber um Syrah top dos caras com apenas 5 anos!!! Você está dando um baita mau exemplo!!!

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  2. Então... é uma variação de 10%. E ter pago praticamente R$ 200,00 embasa a sugestão de que uma 'promo' nos dias de hoje a R$ 250,00 não estaria tão fora como oportunidade. De outra maneira, de R$ 180,00 para R$ 250,00 também seriam uns 40% a mais, acima da desvalorização do dóla no período.

    Sobre ter bebido Apontador com 5 anos... Vindo de um bebedor de Barolos com iguais 5 ou 6, parece que você está aprendendo... eu nunca cometi o pecado, precisava ser como é... De fato, sisqueci de dizer isso na postagem... Escreveu, não leu, já sabe, né? (rs!). Como como desinformação do blogueiro...

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    1. variação de 17 reais, preço de um sanduíche no Hot tiger (do mais simples, claro...rs)

      Quanto ao fato de ser beber de Baroli de 5-6 anos, você está certo: Eu já bebi inúmeros deles com esta idade. Mas há uma grande diferença entre beber e abrir. Os que eu bebi, foram ofertados pelos meus confrades. Os meus, assim como os Brunelli, abro com mais idade...rsrs. E vc acha que deixarei de beber um Barolo de 5 anos, aberto por alguém, só porque tem 5 anos? Não sou trouxa. Agora, este Apontador, quem abriu foi você, o pregador das idades ideais para se beber vinhos...rsrsrsrsrsrs. Peixe morre é pela boca!!!

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    2. Variação é variação... e gosto de apresentar o preço correto do vinho. As "contas", estas podem ser 'de cabeça' contemplando um dólar mais barato (de valor 'antigo') ou mais recente, conforme quero enfatizar que um produto está com preço muito bom, representando uma pechincha, ou calcular seu preço 'de mercado'.

      Ah, não sugeri que você seria trouxa e que deveria deixar de beber um Br/Ba oferecido por alguém só porque a safra é muito nova. Mas poderia tentar catequisar os índios. Jesuítas mostraram que dá certo; fizeram isso por 150 anos desde 1500 e tanto.

      O Apontador, sim, fui eu que abriu, claro. E continuo advogando que o bom momento do vinho precisa ser respeitando. Mas vamos lá... vc sabe que é prática comum de provadores abrir uma garrafa antes de seu tempo para acompanhar o desenvolvimento, não sabe? Por que eu não posso fazer isso muito, mas muito de vez em quando? Vc acompanhou: quantas garrafas tenho guardadas há mais de 10 anos? 100? Daí pego uma para fazer um teste e você toma disso um padrão? 🙄 Pobre utente... 😂🤣

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    3. Quanto ao segundo parágrafo, eu sou amigo dos caras, não jesuíta catequizador. Como já te disse milhões de vezes: Não vou interferir no que os caras fazem. Eles pagaram, eles bebem como quiserem. A propósito, você acha mesmo legal o que os jesuítas fizeram com os índios? Tenho lá minhas dúvidas.

      Em relação aos segundo parágrafo, eu disse isso só para te mostrar que você não tem que ser engessado (como é...). Tem que parar com esse negócio de ler em algum lugar que Barolo tem que ser bebido depois de 10 anos (apesar de ter Baroli diferentes, produtores diferentes safras diferentes etc etc), e que Chateauneuf deve ser bebido em 7 (vale as mesmas observações feitas para os Baroli). Eu mesmo sempre compro duas garrafas do mesmo vinho, quando dá, para beber uma mais cedo e ter uma ideia da qualidade, quando abrirei a segunda etc. É o que eu te digo: Tira o gesso da cabeça! rsrsrsrs

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    4. Ops, vamos lá. Nada como um debate para mexer com os mulúsculos (sic) do cérebro.
      Jesuítas: uma coisa é a premissa e outra é a ação. A premissa dos jesuítas era nobre (do ponto de vista deles!): levar a palavra do Senhor a outras plagas. Eles jamais perguntaram aos índios se eles tinham o menor interesse em conhecer a religião católica - e os resultados foram os que você sugeriu nas entrelinhas. Ao final do processo histórico, a ação dos jesuítas foi condenável, claro. Mas a premissa era (novamente, do ponto de vista deles!) 'justa, honrosa e honesta'. Ainda, a catequização de seus confrades não precisa ser feita na ponta do chicote, mas com um pequeno e engraçado choro, uma reclamação bem humorada aqui, outra ali, o chamado para a comparação rememorando um Br/Ba novo do dia da degustação e o último mais antigo degustado. Doses homeopáticas. Como José Dias aplica em Dona Maria da Glória ao tentar livrar Bentinho do seminário. Capiche? Sua posição de apenas desfrutar o melhor da pior situação não é cidadã. Trai seu juramento de graduado - vc o fez? Lembrei-me do antológico diálogo entre Omar Sharif e Anthony Quinn:
      - Conheci seu pai...
      - Conheceu o seu?
      😣😂🤣

      Nosso dia a dia: convenhamos, tirar o gesso da cabeça (tirar o exoesqueleto que cobre o corpo todo, na verdade), é para quem tem conhecimento e confiança para andar sem muleta. Aí ficamos naquela: eu sempre reconheço que sei pouco. Você procura com microscópio meus menores erros e não aceita que eu saiba pouco. Diz que eu me refugio nessa desculpa, quando a invoco. Outras vezes (como agora), eu não posso ater-me às recomendações da literatura, justamente por saber pouco. Ora, moço, decida-se! Ou eu sei pouco (como defendo), ou eu sei pra c@ar@alho (como você sugere algumas vezes). Então escolha - pode até escolher! - e daí pra frente trate-me sempre da mesma maneira!

      Se existem CdP, Br/Ba que podem ser bebidos fora da 'faixa média', não há problema. Inclusive vai de muitas variantes: vinificação e safra, pelo menos, além de outra que desconheço e você mesmo pode citar. Mas a quantidade de vinhos fora de época que você aprecia é enorme. Por qualquer questão (confrades queimam antes da hora, o mesmo para produtores em feiras, etc.). Mas aí eu que preciso desafiar: vc experimenta uma boa parte fora de época e em condições de serviço duvidosas. E quer (mesmo) sustentar que já bebeu muitos e muitos desses vinhos? No... bebeu de garrafas com isso escrito no rótulo. Mas não bebeu tantos deles 'de verdade'.
      Enoabraços, 😶
      Oenochao

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    5. O que eu gosto em você é a objetividade.

      Pulemos a parte dos jesuítas. Aliás, nem li... Muito chata.

      Quanto a você entender pouco ou para c@ar@aleo de vinho, é isso que digo desengessar: Por que não pode ficar no meio termo?

      Quanto a dizer que eu bebi "garrafas com isso escrito no rótulo", mas e daí? Que diferença isso vai fazer na sua ou na minha vida? Se eu paguei, ou meus amigos pagaram, bebemos do jeito que queremos e ponto final. Você, compra as suas garrafas e bebe do jeito que quiser. E co você entende para C@ar@aleo de safras, vinhos, produtores, tempos de decantação etc etc, vai extrair o melhor do vinho. Parabéns!

      Uma coisa vc tem que colocar na cabeça: A gente só pode decidir pela vida da gente, não pela dos outros.

      Enoabraços

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    6. A objetividade não falha (rs). Pena não se dispor a ler e continuar a 'briga' acerca dos jesuítas. Adoro uma polêmica.

      Olha, não fico no meio termo porque entendo pouco... quando entender mais, vou assumir o meio termo sem problema algum, que ficar cheio de dedos, em cima do muro, não é comigo. Costumo tomar posições, sem problema algum. Mas essas coisas (conhecimento) não são imediatas. Você não se tornou um bom profissional da noite para o dia. E nossas profissões, as exercermos 24/7/365, ao contrário dos hobbies... então, para chegar no pouco meritório 'meio termo', ainda tenho uma boa jornada pela frente. Mas não ficarei cheio de dedos em outorgar-me (sic) nessa posição se e quando chegar lá.

      Sobre suas experiências - se vc assume que bebe muitas garrafas fora de tempo e serviço, ainda que ofertadas por terceiros - é apenas uma conclusão rápida e direta de suas próprias declarações: você bebe (bebeu) muitas, mas... podemos dizer que que vc 'realmente' conhece o estilo, ou a 'escola'? É uma pergunta válida, que ocorreu-me quando escrevia a última resposta. Claro, alguma coisa, uma pitada de experiência, sempre acrescenta (beber os vinhos ainda que cedo e fora serviço). Seus grandes 'insights' estão registrados aqui. Honestidade intelectual é a mola-mestra do blog. Alguns de seus foras também 😑. Não pego no seu pé pelos foras, apenas os registro para a posteridade 😆.

      Bem, abrevio o parágrafo anterior, e ainda questiono seu último, com veemência. Não, não podemos decidir sequer pelas nossas vidas. Você me garante que estará vivo amanhã? Não, né? Então tente fazer do hoje seu melhor dia. Morra tentando ensinar seus confrades a fazer o melhor com suas adegas. Afinal, morrer ensinando não é o ideal do bom professor?

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  3. Já disse que não sou um profissional do vinho. Sou um apreciador, só isso. Sou profissional da ciência (e meia-boca, diga-se de passagem...rs).

    Eu não vou ensinar coisas para os confrades. Mesmo por que, eu não posso dizer que sei mais que eles. E é justamente por uma coisa que você mesmo citou: Não sei o que será do amanhã. Por isso, relax... Quero morrer é dando risada e bebendo vinho, com 5, 7, 9 ou 25 anos...rsrs.

    A propósito, pode eternizar os meus "foras". Já tem centenas deles eternizados lá no meu blog...rsrsrsrs.

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    1. Seu parágrafo 1: Não é escravo do vinho como eu. Não quer catequisar ninguém, nem espalhar os conhecimentos. Um vendilhão do templo... 😂🤣

      Seu p2: Certo. Só quero ver quem vai te chamar para beber um '25 anni'... 🙄
      🤣😅

      Seu p. 3: Sim, tem. Todas as descorchaduras (sic! rs!) que resultaram em infanticídio representam só a ponta do iceberg. Todos sabemos disso... 😁😂🤣

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    2. Gostei do "vendilhão do tempo"...kkkkk.

      Ah, eles chamam para tomar uns velhinhos de vez em quando. É raro, mas chamam.

      E sem dúvida, tem muito "infanticídio" no blog. Inevitáveis... hahahaha

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