Monday, May 3, 2021

O Pacheco e a Pacheca

Introito: O Pacheco

   Ninguém nunca perdeu dinheiro por subestimar a inteligência do povo norte-americano. 

   Acho que li essa frase em O Mundo Assombrado Pelos Demônios, do Sagan. Não lembro se a frase é dele ou se é uma citação. O livro relembra também aquela do Reagan na disputa pela presidência dos EUA, "Por que devemos subsidiar a curiosidade intelectual?" (😱), ideia que sem esforço poderíamos considerar como a mãe de todas as tolices. Discorda? Teje à vontade... 
   Todos temos lacunas em nossa formação - seja ela moral, cívica ou intelectual. Ao lapso na formação moral chamamos à vezes pecado. Na intelectual, ignorância. Na cívica, é um pouco mais complexa. Acho que por aqui ela se reflete no jeitinho brasileiro, no pouco apego às regras e leis e à nossa bovinice em geral. Uma das minhas lacunas intelectuais reside nos autores clássicos portugueses; li bem poucos. Eça de Queirós é claramente uma dessas lacunas, e tive atenção a ele redespertada desde o ano passado pelo historiador Marco Villa em seu vídeo blog no Youtube, onde ele constantemente cita o Pacheco, personagem de A correspondência de Fradique Mendes, obra de acesso livre pelo Projeto Gutenberg. O Pacheco de Eça é um belo desenho de nossa classe política desde sempre:

Pacheco não deu ao seu paiz nem uma obra, nem uma fundação, nem um livro, nem uma idéa. Pacheco era entre nós superior e illustre unicamente porque tinha um immenso talento.

Embora datada do século 19 e dizendo respeito a Portugal, a obra espelha o brasio de hoje, "Pacheco e Portugal, de resto, necessitavam insubstituivelmente um do outro", à medida em que vemo-nos precisando de um candidado-presidiário para redimir (sic!) nossos pecados (quando no mínimo seria um candidato a presidiário) e onde gente detestável vem posando de guardião da moralidade em CPI's mais do que tardias. Os Pachecos não acabam aí. Alguém se lembra daquele torcedor fanático da Copa de 82, em campanha lançada pela Gillete, exemplo do mais tolo e acabado ufanismo nacional? Nada contra o torcedor, nem contra o futebol. Sequer contra o ufanismo! Um pouco de patriotismo em excesso é bom! Um pouco. Ora, estúpido que duvida, se você não gostar um pouco a mais da sua(eu) amada(o), da sua pátria, vai gostar de quê?! O que não podemos jamais, é perder a justa medida, o ponto em que a preferência do coração sobre a razão dá lugar à tolice e à insensatez. É o que mais temos visto no brasio, infelizmente. Finalmente, entre o Pacheco de Eça e o da Gillete, de quantos e quantos outros não esquecemos, e quantos mais são sua forma mais acabada, e não conseguimos percebê-los? O futuro - sempre ele - há de cobrar-nos. Com juros. 'Mórbidos', não 'módicos'.

A Pacheca

Falemos da Pacheca. Ou melhor, da Quinta da Pacheca, vinícola estabelecida no Douro. É uma daquelas vinícolas que tem tudo pronto para receber turistas com conforto. Não costumo, mas desta vez olhei melhor as acomodações e preços. Sai menos de € 1.500,00 por uma semana, para o casal. Não precisa ficar tanto tempo, claro... Depois de tanto tempo em clausura, às vezes é interessante ter ideia de preços... Quinta da Pacheca produz de brancos a tintos, passando por rosés, Porto, colheita tardia e moscatéis. Seu Pacheca Reserva Vinhas Velhas 2013 é o que experimento hoje. Não encontrei a composição no sítio do produtor, infelizmente. Wine-searcher dá como 'indicativo' um corte de Tourigas (Franca e Nacional), Tinta Roriz, Tinto Cão, Tinta Amarela e Sousão. Duas horas depois de aberto - com boa apresentação sensorial desde o começo - mostrou fruta bem viva, o dulçor característico do Douro carregando consigo algum chocolate amargo que repete-se na boca, acompanhado de taninos elegantes, boa acidez, boa persistência e final harmonioso. Álcool bem contido (com 13,5%) , assim como a madeira. É um vinho que teve importador em S. Carlos. O Plácido, do Solar dos Portuga - atual Dom Pedro - realizou algumas degustações apresentando-o aos clientes. Como eu era frequentador assíduo do restaurante, vendeu-me diversas garrafas e 'preço camarada', não significando que fosse 'de custo'. Nem deveria. Paguei, ali por 2015, 2016, cerca de R$ 80,00. É um vinho de uns € 14,00. No brasio de hoje, nas mãos de outro importador, simplesmente... despirocou 😲: entre R$ 366,00 e R$ 384,00 (com desconto!). No... no... no...
   Provar de Pacheca quando tinha bom preço foi ótimo. Hoje, o preço não convida mais. Lá se foi minha última garrafa, ao melhor estilo da imolação de Denethor... Como diriam... NEEEEXT...




4 comments:

  1. Bom dia Carlos,
    Eu gosto deste vinho. Mas obviamente, não por quase 400 Reais. Eu o encontro por aqui a 120, que acho um preço bastante justo.
    Abraços, Paulo Mendes

    ReplyDelete
    Replies
    1. Olá, Paulo, obrigado por mais essa participação.

      😱 R$ 120,00! Pois é, seria o preço 'razoável' tanto pela qualidade quanto para uma correção em face do 'dóla' entre 2015 ou 2016 e hoje, tomando por base o preço de uns R$ 80,00.

      Ainda bem que mostrei as telas do 'preço cá', para que o leitor não me tome por picareta...

      []s, e obrigado!

      Delete
    2. Bom dia Carlos,
      Particularmente, acho que um Reserva Vinhas Velhas por menos de 100 fica bastante difícil. Nem em promoções encontramos algo assim. Mas por 120 eu acho bastante razoável. Eu pago 130 no Esporão Reserva, que considero um ótimo vinho.
      Abraços, Paulo

      Delete
    3. Olá. Desculpe de não fui claro. Também acho difícil encontrar um VV por 80,00 nos dias de hoje. Ponderei que os 120,00 que você paga hoje correspondendo àqueles 80,00 'mais ou menos' corrigido para diferença do dóla, que daria lá seus 120,00, e que portanto é um 'preço justo'.

      Esporão Reserva é bom, apenas já bebi vários.
      Obrigado!

      Delete