Saturday, October 23, 2021

Confraria em fúria

Introito

   O seu Pino era um velhinho que 'cuidava' da quadra de futsal onde eu jogava com vários professores da universidade, há muito tempo. Ele tinha um bordão que era bem conhecido à época - anos '90. A Dona Neusa resolveu que sua paellera acumulara poeira demais. E não bastava limpá-la. Assim como instrumentos bem tocados tornam-se melhores com o tempo - pergunte para um violinista o que é tocar um Stradivarius - e taças que recebem bons vinhos também expressam melhor as características das próximas doses ao longo do tempo - se sobrevivem aos inevitáveis acidentes - panelas em geral também ficam melhores com o uso e o tempo. Afinal, já diz o ditado: panela véia é que faiz comida boa... (sic). Certo que o maior divulgador dessa música acabou como um velho caquético por pouco atravessando todos os limites do tolerável e quase acusado de traidor da pátria, mas convenhamos que o exercício da voz parace não melhorar o cérebro, ao contrário das panelas, taças e violinos... Basta notar vários cantores que um dia foram nossos heróis quando defendiam ideais de esquerda, e acabaram por aliar-se a gente de comportamento muito duvidoso, para dizer o mínimo. Chupa, Caetano! Esse era o bordão do seu Pino.

Paellha e vinho

Portanto foi sem vacilar que Dona Neusa dispôs-se a fazer um paella dizendo que deveríamos lançar mãos de nossas reservas estratégicas. E que não economizássemos. O Akira só fez um comentário: 
- Missão dada, missão cumprida... - e quem sou eu para discordar...
Chegamos na noite de quinta-feira e lá esta ela, soberba. A paella, claro; Dona Neusa apenas expressando a extrema jovialidade e o bom humor de sempre... 😝. Cumprindo a recomendação de não economizar, desci para a adega conferir a quantas andavam nossos estoques reguladores. Tínhamos lá alguns branquinhos nojentos e conversando com o Akira ele confirmou que um espumante poderia fazer bom par com a comida. Eu tinha algo que desejava já ter experimentado...

Branquinhos nojentos e xampa (sic)

Não sou tão fã de xampa, mas tinha lá uma (muito) bem comprada junto à Enoeventos. Era um Champagne Premier Cru Brut Blanc de Blancs, do Barbier-Louvet, onde o leitor deve notar: 1) é uma xampa de verdade, não um espumante; 2) é uma xampa Premier Cru. Don Flavitxo já tinha avisado que era um produto bom, segundo suas fontes. Apresentou notas de fermento e pão, que mais para frente ficaram mais evidentes, indo na direção daquele fermento mais azedo - e que não traz um travo ruim por causa disso. Tinha notas cítricas, também. Boca equilibrada com ótima acidez, apesar do pouco álcool (12%, acho), foi comprado em fevereiro deste ano a ridículos (sic) R$ 231,00. Custa uns USD 30,00 lá fora. Coisa que só importador honesto consegue fazer. Na sequência veio um Les Héritiers du Comte Lafon Mâcon-Milly-Lamartine Clos du Four 2010, do Comte Lafon. Fica difícil. Comte Lafon é considerado por muitos, apenas e simplesmente, o maior produtor de brancos do mundo. Claro, é um produtor da Borgonha. E, claro, esse é um de seus vinhos de entrada; um vinho reba por assim dizer. Difícil encontrar (menos) e $comprar$ (muito mais) algo melhor. Achei que tinha perdido um pouco do frescor - o Akira fez que não. Ainda assim bem floral e cítrico no nariz, e boca com algum amanteigado, ótima acidez e boa persistência. Engolindo, notamos que o vinho permanece na salivação. E olha que é um vinho de entrada... Custou R$ 194,00 em 'promo' (novembro/2019); atualmente esgotados na importadora, lembro de ter visto a quase 500tão. É um vinho de uns 30 dóla lá fora...

Na sequência servi um López de Heredia Viña Gravonia 2008, branco barricado de Rioja. O produtor, López de Heredia, é consagrado. Seu lema: Você não precisa envelhecer seus vinhos; nós os envelhecemos para você. Isso é tanto verdade que a safra mais nova disponível no marcado, em 2021, é a... 2013! Aqui vai um parênteses: xampa Blanc de Blancs, sabemos, é 100% Chardonnay. Mâcon, também sabemos, é uma região onde os brancos também são de Chardonnay. É por isso que muitos vinhos franceses não trazem as uvas, sequer em seu rótulo original. O bebedor deve saber o que são... caso contrário, melhor nem bebê-los. Bem, Gravonia é um 100% Viura, conhecida nas quebradas por Macabeo. Já bebi vários do produtor, brancos e tintos, e digo que é sempre um grande prazer. Um quê de tostado, especiarias, carvalho, toques cítricos que se repetem na boca, junto de excelente acidez e com permanência longa. E olha que, a exemplo do Lafon, é o vinho mais simples do produtor. Esses vinhos andam sumidos do mercado. Não sei se o importador está trazendo, o que talvez crie a oportunidade para algum importador tentar trazer algum lote a preço razoável. Preço lá, 25-30 dóla, aqui beira os 400tão. Não dá... O pessoal gostou da cor. Devo ter olhos vesgos para cor de vinho em geral; raras vezes um chamou-me atenção pela cor. Tente reparar. E faça jus ao nome do blog: resmungos de um deficiente nasal que sabe pouco para iniciantes que sabem menos...

Por último apreciamos um Gravner Breg 2007, corte 45% Sauvignon Blanc, 30% Pinot Grigio, 15% Chardonnay, 10% Riesling Itálico feito na região de Friuli Venezia Giulia por Josko Gravner, o pai dos vinhos âmbar. Sim, âmbar. Segundo ele, vinho laranja é um vinho estragado. Mas por um desses caminhos tortos - e para desgosto completo de seu criador - o mercado adotou o nome de vinho laranja, e assim eles são conhecidos. Imitado por muitos mas líder na qualidade, Gravner foi buscar métodos antiquíssimos para produzir os vinhos da maneira que ele imaginava. E esses segredos ele não entrega. A produção é pequena, e os vinhos são caros. Um Gravner - qualquer deles - é um vinho único, complexo: nariz cítrico e herbáceo, com outros toques não distingui. Mas é rico. Boca com mineralidade muito presente, ótima acidez, tem um conjunto do tipo ame ou odeie. Quem conhece, ama; o ódio, claro, fica por conta dos bocas-tortas. Tem um belo final, com permanência longa. É um vinho caro lá fora, cerca de 100 dólas. Paguei - enchendo a mala da D. Neusa - cerca de 60 ou 70 dóla, quando, conversando com o dono da loja em NY, consegui um desconto de 20% em dóla, lá por '17 (o Gravonia acima veio na mesma mala!). Aqui um Gravner anda na faixa de R$ 1.200,00. Sejamos honestos, embora a importadora seja careira, esse preço não está ruim. Claro que é uma montanha de dinheiro, o que apenas mostra o quando ficamos pobres. Veja aí embaixo a cor do Gravner. Ele é apresentado no contra-rótulo do produtor como bianco... E teve bão.






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