Saturday, March 4, 2023

A estória do valor do vinho I

Introito

Comprar vinhos caros é opcional.
Pagar caro por eles é tolice.
Dito d'Oenochato

   A aparente contradição do preâmbulo pode confundir os neófitos e é a ponta de lança do blog nos últimos anos; tratamos de conscientizar o comprador de vinho do quanto ele pode ser explorado ao adquirir uma garrafa até modesta de sua bebida preferida. O que faz um vinho ser caro? Obviamente (além de modismos) sua escassez. Vinhedos pequenos ou de baixa produtividade geram quantidades minúsculas de garrafas desejadas por gente dos sete mares (sic) e cinco continentes; não há como atender a todos e seu valor sobe, fazendo dele um produto caro. Sua compra justifica-se (além dos modismos... de novo!) pela curiosidade dos enófilos mais experientes em apreciar vinhos com características únicas. Quando falamos de vinhedos delimitados há 500, 600 anos pelos monges Cistercienses na França (principalmente na Borgonha), delimitações tão precisas que apenas técnicas recentes de espectroscopia poderiam melhorar, e cuja produção portanto não aumentará jamais, a exclusividade de uma garrafa torna-se compreensível pelas nuances que somente aquele vinhedo pode proporcionar, e a justificativa do valor está dada. Pode haver bolhas de consumo como a das tulipas na década de 1630 na Holanda, mas a consistência dos preços através das décadas mostra quem tem qualidade de fato. Fique claro: a compra desses vinhos mais caros faz sentido para o enófilo mais avançado e (conectivo de adição!) curioso. Um bom enófilo pode passar a vida toda bebendo vinhos dentro de certa faixa de preço e focar sua curiosidade em outro passatempo: carrinhos em miniatura, selos, joias, sapatos, livros, música, etc. O desejo e curiosidade de cada um é só seu, é personalíssimo, e não pode ser criticado.

   Por outro lado, e exclusivamente no Brasil, acontece um fenômeno raro: o vinho, mesmo nacional, é muito caro. E aqui reside a diferença entre comprar vinho caro e pagar caro por vinho (pagamos caro mesmo pelo vinho barato). Aos poucos, e construindo o panorama: reportagem recente (cheia de erros e incongruências) conta-nos que

Em relação aos vinhos nacionais, mais de 50% de seu valor final é decorrente de tributos, e no caso dos importados o percentual tributário pode ultrapassar a incrível marca dos 70% sobre o preço final de cada garrafa comercializada.

   Os erros e inconsistências estão mais na propaganda chapa branca do vinho nacional; creio que o dado sobre impostos esteja razoavelmente correto. Mas não nos esqueçamos da taxação sobre bebidas na Europa ser igualmente alto, algo como 20%; está aqui. Portanto tenhamos em mente que a diferença entre os impostos indica ser a nossa apenas 50 pontos percentuais a mais.

   Mais uma reflexão: o imposto sobre celulares e notebooks no Brasil é perto de 40%, veja aqui. Reportagens onde os articulistas colocam como escandaloso o fato de um Eufone (sic) custar por aqui o dobro (menos, na verdade) do que nos EUA abundam (veja aqui). E eles já estão escandalizados com o fato de custar o dobro. A fonte da imagem abaixo está aqui.


    Tomemos agora o caso dos vinhos, onde o imposto é um pouco maior. Um Chateau Gazin 2009, grande vinho francês da região de Pomerol, à venda nos EUA por cerca de USD 250,00 (R$ 1.300,00) é ofertado aqui a R$ 8.500,00 (6.5 vezes!), com 'promo' a R$ 4.650,00 (apenas 3.6 vezes). O mesmo pode ser constatado para vinhos baratos, e fiz um levantamento recente aqui, envolvendo seis importadoras, com resultado estarrecedor. Curiosamente não encontramos reportagens indignadas com a margem praticada na venda dos vinhos por diversas importadoras.

   Certo, o exemplo acima é um pouco extremo, mas o que vemos, vezes sem conta, são as conhecidas promoções da metade do dobro. Não porque dobrem o preço do vinho um mês antes da queima, mas porque o valor normal já é 4x ou 5x e então ele entra em promoção. Em tempo: sendo o imposto sobre vinho cerca de 70%, não é de estranhar que o seu preço final guarde proporção com o dobro em relação aos países onde ele é produzido. O consumidor, quando for comprar um vinho estrangeiro, deve valer-se do Wine Searcher, ferramenta que ajuda-o a comparar o valor da mercadoria aqui e lá fora, salvaguardando-nos de comprar vinhos a preços exorbitantes. Com o tempo perceberá que as importadoras trabalham com uma margem média em todos os seus vinhos. Se um é caro, o que estiver do lado provavelmente o será. E assim sucessivamente (claro, existem discrepâncias). A essas importadoras, chamo-as tubaronas. Veja a 'comprovação' dos preços do Chateau Gazin no final da postagem, onde são mostrados os rótulos à venda aqui e lá fora. Esse comentário, rotulado como 'A estória do valor do vinho', e que terá continuação, junta-se a outra postagem, A estória das moedas, na tentativa de apresentar ao leitor uma abordagem mais concreta sobre a questão do valor do vinho no Brasil. Como de hábito, as fotografias das páginas com valores serão apresentadas, e sugestões de leitura com hiperlinks embasarão a argumentação.

Ainda sobre o encontro com o Nagibin

   Na postagem onde relatei a visita do Nagib mencionei ter aberto o Numanthia à meia noite, para bebê-lo no almoço do dia seguinte. O que vocês acham que estivemos fazendo até aquela hora? Com Magide, Cesar e sua esposa Ana degustamos alguns vinhos, claro!

Champagne é uma predileção da Magide, então não poderia faltar. O Taittinger Brut mostrou nariz cítrico com um pouco de fermento, muito vivo, equilibrado, com acidez e permanência médias e boca também cítrica com muito frescor. Comprada da última vez que estive no Chile, lá por '17, talvez, estava bastante agradável. Lembro de ter pago bem próximo a R$ 200,00, e seria a metade do valor daqui à época. Queria surpreender os convivas com algo alegre e arrisquei duas horas de aeração sobre o Belcore 2019 da I Giusti & Zanza, produtor sediado na Toscana. Este corte  80% Sangiovese e 20% Merlot é um supertoscano vendido no sítio do produtor a € 15,50 (R$ 85,00), pelo qual paguei R$ 130,00 em promo e vale quanto pesa. O Cesar achou um pouco fechado, novo ainda, e ele ou Nagib apontou cereja - é uma das expressões da Sangiovese. Tem mais fruta, e tem algo na linha chocolate/café com acidez média, taninos um pouco pronunciados em meio aos 13,5% de álcool. Estava bem melhor no dia seguinte durante o almoço, e ainda bebi dele com muito prazer à noite. O Numanthia, na noite seguinte, também estava ótimo. Depois tivemos um Château Chantemerle 2016, Cru Bourgeois do Medoc. Os Cru Bourgeois são uma categoria promocional de vinhedos não listados na classificação de 1855 e já comentei aqui. Note ainda que ele não deve ser confundido com o Quinto Vinhedo Château Cantemerle da referida classificação de 1885. Chantemerle está pronto para beber, e com alguma aeração mostrou fruta bem viva e outros detalhes que não registrei. Aporta boca agradável, fácil de beber, acidez presente sem contudo ser tão marcante, final médio e não mais. Está um pouco caro, R$ 200,00, mas é melhor do que muito francês a preço superior e seguramente bate tudo o que produzimos na vizinhança (Chile, Argentina, Uruguai), nessa faixa de preço. Ele e o Taittinger acabaram no dia...


Valores do Château Gazin aqui e lá fora.




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