Wednesday, March 8, 2023

A estória do valor do vinho II

Introito

The best business in the world is a well run oil company. 
The second best business in the world is a badly run oil company.
John D. Rockefeller


   Venho atualizando algumas etiquetas de marcação das matérias para que o leitor possa encontrá-las mais facilmente. No computador, elas aparecem na lateral direita, mas podem não aparecer na leitura via celular. Nos aparelhos móveis é necessário procurar, no final da postagem, logo acima de minha mini-biografia, a opção "Ver versão de Internet". O botão para voltar à apresentação regular também está no final da página (mais longa) na versão de internet, "Ver versão móvel". Esta série de postagens deve ser lida da mais antiga para a mais nova, para que faça sentido. O mesmo aplica-se às postagens "A estória do vinho Brasileiro" e enfatizo não tratar-se da história do setor, e sim das estórias - contos da carochinha - perpetradas sem o menor pudor por safados de muito pouco escrúpulo. Cada coisa a seu tempo.

Reflexão 1: O poder de compra do nosso dinheiro

   Como vimos na postagem anterior, as importadoras tubaronas especializaram-se em esfolar seus clientes cobrando entre 3 ou 4 vezes o valor do vinho disponível ao consumidor 'lá fora', e ofertando 'promos' que trazem o vinho ao dobro do preço também lá fora. Como a diferença de impostos está em 50 pontos percentuais, faz algum sentido que o preço 'cá' guarde essa proporção com o preço 'lá'. Mas eu quero sugerir que o vinho aqui custe cerca de 50% a mais, e apenas isso. Alguns fatores - custo Brasil - claramente inflam o valor final. Assim trabalhamos com um vinho aqui bem pago custando o dobro do valor do produto disponível ao bebedor dos outros países. É imediata a conclusão que as 'promos' apenas trazem os vinhos a seus valores mais ou menos honestos.
   O saudoso compadre Wilson, graduado em Administração de Empresas pela USP, doutor em Ciências e ex-docente do Departamento de Produção também da USP - portanto alguém com gabarito para falar -, expandiu essa visão: para ele, o cidadão sai às compras (no Brasil) e gasta muito mas volta para casa quase de mãos vazias. Em suas palavras, ele sentia que nosso dinheiro não tem poder de compra em nosso comércio. Neste ponto, o leitor deve ler "A estória das moedas" para entender melhor o próximo ponto. Uma camiseta Tommy Hilfiger custa na loja oficial R$ 350,00, ou 350 moedas para nos. Um tênis Nike Air Max, 500 moedas. Um perfume Fahrenheit (50 mL) sai por 500 moedas, também na loja oficial da marca. Então o cidadão vai para o comércio, compra um par de tênis, uma camiseta e um perfume, desembolsando facilmente R$ 1300,00, ou 1300 moedas. Em 2008 fui 'para lá' com o amigo Duílio, e em Noviorke frequentamos (coisa suspeita) um dos Woodbury Outlets. Passamos o dia fazendo compras. Os perfumes eram de 100 mL, e não de 50 mL. Junto de tênis e óculos, tudo custava 50 moedas. Camisetas, 15 a 20 moedas. No final do dia estávamos no metrô voltando para o hotel. Um parava na catraca e o outro seguia; o que ficara passava as 4 sacolas de uns 300 litros para o outro lado de lá e íamos em frente. No hotel, fiz as contas da bagunça: cerca de 1200 moedas. Não por 3 itens, mas por duas sacolas de 300 litros de camisetas, camisas, calças, shorts, perfumes, óculos, tênis, meias, cuecas, etc. Importante dizer que fomos para lá 'pelados', e toda a compra transformou-se em objetos uso pessoal, sem obrigação de declaração na volta.

   A pergunta então é: por qual motivo você acha que no vinho seria diferente? 🙄 A detratoria - sempre rápida a juntar-se aos bandidos - dirá que 'outros tempos, outros dóla'. Voltei lá em '16 (ou '17), quando o dóla bateu R$ 4,00 pela primeira vez. Nos outlets de Orlando uma camiseta da Tommy custava 20 moedas; comprei jeans da Levi's por até 16 moedas, e uma camisa do Michael Kors por 25 moedas. Os Nike, continuavam 50tinha. Os vinhos, lá? A mesma festa...

  
  


Reflexão 2: A elevação de preço dos vinhos chilenos e argentinos

Chile e Argentina são nossos maiores fornecedores em volume - estamos falando de vinho seco, branco ou tinto, não de vinho suave. Acontece que os vinhos desses países eram mais baratos até ali por 2008, em seus países de origem. Costumava pagar por um Don Melchor, um Dom Maximiano Founders Collection e similares, algo como USD 50,00 no free shop de saída, ou USD 60,00 nos supermercados. Com a declaração do crítico Robert Parker de que os vinhos chilenos estariam subestimados, seu valor subiu para algo como USD 120,00 de um ano para o outro (pouco tempo depois chegou a USD 150,00). Enojado, passei a comprar vinhos europeus na faixa entre USD 45,00 USD 70,00. Alguns bebi relativamente rápido, e as orelhas eriçaram-se: eram bem melhores. Acontecia que então eles eram bastante caros por aqui, ao contrário de chilenos e argentinos, e como eu visitava o Chile com frequência, sempre tinha um estoque desses vinhos para beber - sentindo-me satisfeito. Faltava-me, claro, um padrão de comparação cujo gatilho foi a tal majoração. 

   Por curiosidade, passei a fazer aferições diretas entre os vinhos, e uma delas está aqui, registrada pelo Flávio: confronto às cegas envolvendo um espanhol, um italiano e um chileno. Aconteceu em 2014, e só em 2019 (aqui!) fiz a comparação do valor do Don Melchor (o chileno) em três países, notando que ele custava nos EUA a metade de seu preço no país de origem. E no Brasil, com nossa carga tributária elevada, custava o mesmo valor do Chile! As brincadeiras de avaliação foram tantas que em determinado momento decretei ser melhor deixar chilenos brilharem sozinhos, entre si. Com outros, eles não competem, e por isso não compro vinhos sul-americanos: são caros pela qualidade entregue na taça. Volto a comprar se tiverem preços compatíveis. Eu os bebo com o maior gosto, caso sirvam-me. Mas não os compro, definitivamente.

   Note ainda que em 2008 apenas os vinhos chilenos icônicos tiveram preços majorados. Com o tempo, os segundos vinhos também subiram. E depois os terceiros. Hoje, qualquer lixo engarrafado custa aqui uma exorbitância (no Chile os vinhos básicos subiram apenas pela inflação que assolou o país no último quinquênio). Eles não concorrem com vinhos europeus (bem comprados) na mesma faixa de preço. O que antes era a regra, os europeus custarem mais caro, foi invertido - e o consumidor não se deu conta porque tem a boca entortada por anos e anos consumindo porcaria e acostumada a ela. Nunca provei do Chadwick, mas pela experiência com os demais vinhos de lá, é-me impossível acreditar em uma única vinícola chilena produzindo um vinho de qualidade compatível aos europeus. Chadwick custa no Chile algo como USD 400,00! Esteja claro, não pagarei para ver uma aposta cujo resultado sei de antemão com 100% de certeza... Os vinhos argentinos sempre foram um pouco mais caros - mas são melhores, comparados aos chilenos. O problema é que eles mais ou menos seguiram a mesma curva de preços.

Reflexão 3: O preço do vinho importado no Brasil

   É preciso dizer de saída que a tributação do vinho importado no Brasil mudou ao longo da última década, década e meia. Em 2008 o então sítio Enoeventos (que virou importadora em 2015) apresentou a seus leitores uma comparação da margem média praticada pelo mercado.


   Creio que naquela época o imposto sobre bebidas estava em apenas 25% (os jornais alertavam sobre a cobrança do Quinto - imposto de 20% exercitado pela metrópole portuguesa sobre a colônia - já causar revolta entre a população!). A baliza realizada então estava ligada a outra realidade tributária. Hoje é mais do dobro. De qualquer maneira, a tabela acima ilustra a quanto chegava a margem das principais importadoras. Note como os preços variavam entre 50% e 437%!
   Leitor, estando em Portugal, imagine ver na prateleira da loja um vinho de 10 Euros e outro de 20 Euros. Qual esperamos ser o melhor? O do 20 Euros, supomos. É um mercado sério e competitivo, neguinho não consegue fazer graça. Contudo, o vinho de 10 Euros, trazido por uma importadora tubarona, chega à prateleira pelo equivalente a 40 Euros, enquanto o vinho de 20 Euros, trazido por importadora séria, chega-nos aos mesmos 40 Euros! E aí, como ficamos? Recapitulo a ideia da postagem passada, as importadoras trabalham com uma margem média em todos os seus vinhos. Portanto, a compra inteligente no Brasil é escolher o vinho pela importadora antes de escolher pelo produtor! Infelizmente escolha e inteligência raramente conciliam-se na mesma frase... veja-se os resultados dos últimos pleitos...

O preço e o valor do vinho nacional

   Antes de falar do preço do vinho nacional, levantemos alguns exemplos da concorrência em seus respectivos países de origem. Um Quinta de Chocapalha custa em Portugal 9 moedas. Um Evodia custa na Espanha 6 moedas. Um Gran Taracapá (não é o Reserva!) custa no Chile 5,5 moedas (no Chile são 4.300 Pesos). Um Nieto Senetiner Malbec custa na Argentina 6 moedas (são 1.270 Pesos). Aqui um Country Wine (suave) custa 16 moedas, um Sangue de Boi custa 15 moedas e se chegar em um Miolo básico pagaremos 49 moedas. Um vinho premiado como o Syrah Vista do Chá 2017 (a safra 2016 desse vinho da Guaspari ganhou medalha de prata na França) sai por mórbidas 378 moedas. 

   Não serei tolo a ponto de propor que os vinhos estrangeiros de 6 a 9 moedas possam ser comparados com o Miolo Seleção cujo custo é pelo menos 5 vezes maior, em moedas locais! Duvido mesmo que um Quinta de Chocapalha possa ser comparado ao Vista do Chá com seu custo 38 vezes maior quando pensamos em moeda contra moeda. Olha, se alguém quiser colocar esse na mesa, eu coloco três outros - não precisa ser Syrah, mas também posso prover dessa cepa. E aposto: não vai dar pro cheiro. Recentemente experimentei os produtos engarrafados pela Bueno (não são vinhos!). Custam 90 moedas. Escrevi com todas as letras: Vinhos de praticamente três dígitos que não merecem ultrapassar o segundo (em reais!). É fácil, compre um Bueno (o tinto custa 100 moedas) e compare com qualquer um dos vinhos internacionais mencionados nesta seção. Nesse trecho, onde analisamos o preço do vinho nacional,  ficou um pouco etéreo, afinal depende de uma comparação desapaixonada. 

    Mas estudando o valor, tudo piora... 
   O Clos de Tart é um Grand Cru da Borgonha plantado em... 1141(!), e tem 7.5 hectares. O preço do hectare na Borgonha, para um vinho Grand Cru de qualidade, é cerca de 30 milhões de Euros/moedas. Um hectare tem potencial de produzir cerca de 5.000 garrafas em boa safra (não falamos de baixo rendimento, mas há descarte de uvas nesses vinhedos). Uma garrafa custa (nos EUA) 1000 moedas. Esse é o preço de venda na loja, após o importador comprar junto ao produtor, trazer para seu país e distribuir. Uma safra arrecada então 5.000.000 de moedas. Se o produtor do vinho tiver custo zero de produção e distribuição (Como? Por mágica, ora bolas...), e ficar com todo o dinheiro envolvido no processo, serão necessários 6 anos de produção para gerar 30 milhões de moedas - o custo do hectare.

   Na Serra Gaúcha, um hectare de terreno custa 410.000 moedas, e vem com meia casa (sic) de 3 quartos e 2 banheiros. 
   Tomemos 1 hectare de vinhedos a 500.000 moedas. Um Miolo Lote 43 - vinho excepcional segundo seu produtor - custa 250 moedas (confira lá embaixo que são na verdade 273 moedas). Tomando a mesma produção de 5.000 garrafas por hectare e as mesmas condições de contorno anteriores, 1 hectare na Serra Gaúcha gera 1.250.000 moedas em uma safra, com retorno de 150% sobre o investimento!

   Conclusão: produzir vinho no Brasil - sem levar em conta a qualidade! - é 10 vezes mais rendoso do que na... Borgonha! Desprezando ainda o que possa significar 900 anos de tradição e o reconhecimento de ser um dos melhores vinhos do mundo. Maldito Rockefeller dos infernos, onde estava com a cabeça?! Se fosse minimamente inteligente, produziria vinho no Brasil! A comparação do valor dos vinhos aqui e na Borgonha foi refeita a partir desta matériaRecomendo com muita ênfase uma leitura atenta.

   Esta postagem está comprida, e ainda há muito para falar. Não comentarei vinhos, a despeito de ter participado de várias degustações nas últimas semanas, inclusive mais de uma em homenagem ao Akira - aquela com Nagibin foi apenas uma. Preciso voltar a esse assunto, é verdade, mas as questões estão alongando-se um pouco. Creio que uma pausa possa ser útil. Na próxima postagem, vinho!


















2 comments:

  1. Carlão, muito boa explanação sobre o tema. Nada de novo, mas sempre nos leva a perguntar sobre a educação do povo (educação do ponto de vista de conhecimento). É o curral cultural que vivemos. Mas se pensarmos, é a mesma razão da Seara política e as escolhas disponíveis dos nossos candidatos. É o que temos para hoje.
    Luigi

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    1. Luidgi, grato pela leitura e pelo comentário.
      Realmente: nada de novo para quem acompanha o blog, mas creio que ter juntado todas essas ideias em uma só postagem pode ser útil para os inexistentes futuros-leitores, e como referência para outras discussões, já que agora o assunto é melhor encontrado com o auxílio das etiquetas de navegação.

      A educação das pessoas será alterada pelo exemplo e pelas informações que pudermos adicionar ao processo. Como você disse, é o que temos para hoje...

      obrigado!

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