Wednesday, June 28, 2023

Duas safras do mesmo Bordeaux

Introito: Zanin, nosso eroe

Agora nós estamos em guerra com a Eurásia.
O inimigo sempre foi a Eurásia.
Lestásia é uma nação aliada.
1984, de George Orwell


Reflexão: quantas pessoas frequentam os corredores da justiça sendo acusadas injustamente? Para quem assistiu ao excelente The Shawshank Redemption, a resposta é rápida e imediata, e veio na língua do personagem Ellis, interpretado pelo Morgan Freeman: todas! Mas vamos lá... em um sistema minimamente competente - o norte-americano definitivamente não parece sê-lo, mas o nosso é! - quantos peregrinos do sistema judiciário o leitor considera de fato inocentes, vítimas de erro grosseiro no processamento de pistas ou mera perseguição? Sessenta por cento? Setenta? Pois é... ficamos com trinta por cento de bandidos contumazes. Estatisticamente, se um advogado defendeu dez pessoas, temos então três delas quase certamente bandidas de fato. Para os sete inocentes, não deve haver muita dificuldade em comprovar alguma inocência do acusado; na defesa dos outros três o périplo do advogado - ele atua apenas cumprindo seu papel - deve ser um pouco mais difícil. Por esse raciocínio, torna-se muito difícil atribuir ao Zanin algum notável saber jurídico ao encarar suas causas. Sua taxa de inocentação (sic!) precisa ser registro perfeito para, então sim, a proposição passar incólume à menor dúvida. Pergunta: qual a taxa de inocentação (sic!) de Zanin? Pelos comentários da sabatina, acredito ser mesmo de 100%. O cara é bom! Aliás, quando tudo começou, um amigo bolsonésio chegou para falar do indicado. Disse-lhe tranquilamente: bastaria os senadores da oposição chegarem constrangendo-o com perguntas de outras áreas diferentes de sua atuação. Ele não tendo o tal do notável saber jurídico  se embananaria e pegaria muito mal. E os senadores tiveram lá coragem para tal? Vieram, olharam o homem, nosso eroe da nação, e fizeram nas calças o que os invasores fizeram na mesa do Xandão - esse sim, o do STF. Compressor Lira? Ara, deem passagem... compressor NAP! Nosso Amado Presidente mostrou como se faz: indicou para o STF um cara de tamanhas qualidades a ponto de virar o jogo e constranger a oposição. Chupem, bolsonéios! Rumo à posição de potência! Com Ortega, Maduro e Putin! Abaixo aos colonialistas europeus! Fora União Europeia! Yankees, go home! Dilma 2026! (com sua permissão, claro, Madame Janja). Só mais um detalhe (para quem era fã da série Columbo...): a oposição elegeu um grande grupo de senadores supostamente contrários à atual ideologia, e muitos em primeira viagem, como o ex-vice-presidente Mourão e o Astronauta. Não deveriam ter rabo preso, portanto não deveriam temer reprovar um indicado deste lado ou daquele a cargo tão importante. Por que aprovaram Zanin com ampla margem, sem maiores constrangimentos na forma de perguntas sobre como aplicar a Constituição em determinadas situações? Está aí, comprovado por outra via: Zanin é mesmo 'o cara'; fez a pelegada tremer nas bases. Palmas para ele! Palmadas para os senadores! Bando de zés-ninguéns! Que as urnas cobrem-lhes a própria mediocridade.

A Classificação Oficial de Bordeaux de 1855

   Corria o ano de1854 (provavelmente) e o Imperador Napoleão preocupava-se com a Exposição Mundial do ano seguinte. A brilhante ideia apareceu na forma de categorizar os melhores produtores de vinho para mostrá-los aos visitantes do mundo todo. Assim, os principais artífices do Médoc (e um de Graves) receberam títulos entre Primeiro e Quinto Vinhedos; com apenas três mudanças desde então, a lista seguramente não acompanhou a evolução (ou ocaso) das casas ao longo do tempo, eventualmente com suas respetivas recuperações e novas recaídas. Mas é fato: hoje temos Quintos Vinhedos vendidos a preços próximos a Segundos Vinhedos, por exemplo. Os Primeiros Vinhedos continuam isolados no valor de face. Quanto o marketing e a compra de notas influenciou isso? O marketing, muito - marketing é o coração de qualquer indústria. Compra de notas seguramente não, pois nem os avaliadores se venderiam nem os produtores promoveriam tal falcatrua. Exatamente como vimos na sabatina do Zanin. A qualidade sempre vence, vide nosso futebol. A relação dos Châteaus classificados está aqui.

Château Branaire-Ducru

   O Château Branaire-Ducru é um Quarto Vinhedo estabelecido em Saint-Julien plantando Cabernet Sauvignon (70%), Merlot (22%), Cabernet Franc (4%) e Petit Verdot (4%). Veja mais informações aqui. Seu segundo vinho, o Duluc de Branaire-Ducru, tem produção estimada em 7.000 caixas por ano. Por ocasião de alguma ida ao Chile, trouxe por cerca de R$ 200,00 uma garrafa do Duluc em sua safra 2010 - possivelmente a melhor do século, até agora. Então notei uma safra mais recente (2018, outra safrona) em 'promo' com 40% de desconto na Chez France a R$ 320,00, e tive a brilhante ideia de convocar uma das confrarias para racharmos ambas. De repente chamei uma reunião para degustar vinhos do mesmo produtor e o pessoal pareceu não ter se ligado ao tema. Vejamos...

Servidos em suas taças, passou-se a primeira rodada e pedi opiniões aos convivas. Romeu não soube opinar, e sob pressão chutou para fora (risos). Dona Neusa notou característica leve de Cabernet Sauvignon em um deles, mas não em outro (não lembro-me qual). Ghidelli chutou corte GSM - escandalosamente por cima da trave; o saudoso Akira ensinou, e o Romeu estava presente - a combinação Grenache, Syrah e Mourvèdre normalmente exibe um doce à melaço, claramente não existente nas provas de hoje. Minha reflexão - novamente - é a diferença de expressão da Cabernet nos bons franceses e o quanto ela é diversa da expressão mais conhecida por nós aqui no Brasil, a chilena. É tão diferente a ponto de tornar-se muito difícil de reconhecê-la. O resultado foi similar àquele de 2020 quando degustamos Cabernets de primeira linha - o Romeu também esteve presente - e países diferentes. Desta vez, com duas safras do mesmo vinho, uma madura e outra relativamente jovem, os bebedores não vingaram identificar a cepa. A 'vantagem' sobre a experiência de 2020 está no preço relativamente razoável deste vinho e a possibilidade de compará-lo, por exemplo, a um chileno de valor similar. Ambos os vinhos foram aerados por cerca de uma hora. Duluc de Branaire-Ducru 2010 apresentava - impressões certeiras do Ghidelli - muito couro, café e chocolate. Boca com ótima acidez, taninos arredondados, álcool muito bem integrado, com corpo médio e final médio a longo, além de retrogosto bem presente. Notei a falta de fruta mais imediata no nariz. Mas então... ela estava todinha na taça do Duluc de Branaire-Ducru 2018. D. Neusa apontou ainda um toque herbáceo, e mais notas. O herbáceo estava marcado, mesmo... a boca mostrou algum frescor mas com taninos mais pegados, denunciando estar um pouco jovem, ainda. A sugestão discutida foi a compra de outra garrafa para guardar por mais alguns anos, talvez na proporção daquela do 2010. Madeira e álcool muito bem integrados, também com boa acidez, final e persistência bons, mas um pouco abaixo da safra mais antiga. O encontro acabou e vim escrever a postagem... o momento ornitológico fica para a próxima vez...
   Como podemos ver das imagens abaixo, o valor de Duluc por aqui anda variando bastante. Há boas oportunidades para um vinho de USD 40,00 lá fora, mas há autênticas tubaronices também. A Mistral, recordo-me, vendia esse vinho pela bagatela de USD 180,00, ou próximo a isso.

Vários preços do Duluc por aqui:









Valor do Duluc 'lá':

8 comments:

  1. Carlão, essa CS realmente é uma camaleoa, se apresenta bem diferente daquela que conhecemos típica do Chile... Claramente a garrafa 2010, a meu gosto, está bem melhor que a 2018. Acho que para muitos, a sensação será a mesma. Deixar envelhecer um pouco, faz a diferença nesse vinhão...

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    1. Luidgi, concordo com seus pontos, mas enfatizo: se fizermos o mesmo com Shiraz do Rhone e de outro país, o resultado será o mesmo. É importante ter em mente a expressão da cepa em dado terroir. O que só torna muito mais complexo tentar 'adivinhar' de onde é um vinho, às cegas.
      No mais, algum envelhecimento é a prática defendida por este Enochato para vinhos de maior calibre.
      []s, e obrigado pela leitura,
      Oeno

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  2. Brasileiro é bobo mesmo. Este vinho é fraco mesmo em safra boa. Acho por menos de U$30 aqui nos USA, mas não compro. E vejo vocês rasgando elogios a ele. Jogaram dinheiro fora.

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    1. Olá, anônimo, obrigado pela leitura.
      😐 por menos de 30 dólas? Rapá, você faz milagres... a última figura da postagem é do Wine-Searcher, 'calibrado' para pesquisar lojas americanas, e mostra o preço médio do vinho (sem impostos, normalmente cerca de 10%), o que o coloca na faixa de 41 dólas. Mas claro, talvez você more em um oásis...

      Então um brasileiro paga por esse vinho, aí, cerca de R$ 200,00. Pagar R$ 320,00 aqui, pela alta taxa de impostos, está bem razoável. Então a questão do preço está resolvida, é o que temos por aqui e não há o que fazer. Isso está explicado dessa maneira na postagem, mas talvez compreender uma leitura não seja bem seu forte.

      O ponto da qualidade: bebo vinhos mais simples e às vezes alguns melhores do que esse, e repito que é um bom vinho. Talvez o leitor seja o típico bebedor de Barolos de 10 anos (possivelmente menos), então o que dizer de Bordeaux mais 'simples'? Se beber cedo, vai achar ruim mesmo... Ah, juntando com o preço, você não encontra nada melhor aqui. Se pretende polemizar, é fácil: teje à vontade (sic! rs!) e indique-me nas lojas brasileiras algo melhor.

      Finalmente, a pergunta que não quer calar: o leitor aparentemente mora aí (esse vinho não é corriqueiro de 'se ver por menos de 30'; tem que estar no seu dia a dia andar por lojas e lojas...). Se ele não estivesse na sua faixa de 'beberagem', não haveria motivo de você olhar para eles. Aí pergunto: se vinhos corriqueiros para você estão na faixa de 30, o que você faz por aí? É um ilegal? E tá querendo 'tirar uma' de nós? Ah ah ah. Não posso negar, você está em 'vantagem'.

      Até a próxima.

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    2. Em primeiro lugar, não moro ilegalmente aqui. Tenho Green Card há tempos. Meus vinhos do day-by-day custam entre U$15-30. É muito fácil encontrar bons vinhos nesta faixa aqui. Se meu salário não der para isso, é melhor eu voltar para o Brasil. O wine-seacher ajuda, mas não reflete toda a realidade. Dá para encontrar vinhos a preços mais baixos. Mas turista geralmente fica preso a ABC, Zachys, Total Wine, Sherry Lehmann e outras. Tem muita loja que nem homepage tem. BTW, eu não bebo muito vinho italiano. Prefiro os franceses. Quanto a estar zombando de vocês no Brasil, eu não faço isso, apesar de vocês merecerem, pelo governo que tem.

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    3. Olá novamente.
      Recomendo para suas primeiras frases uma leitura atenta: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ironia

      A tolice completa vem da vossa afirmação do vinho em pauta ser 'fraco', o que não é. Mas bocas-tortas, mesmo que bebam Borgonhas, existem em qualquer lugar. Não bebe muitos italiano? Isso já diz muito...

      É claro que WS não é 'perfeito'. Mas ajuda-me a encontrar safras mais antigas de bons vinhos, mesmo de 45-40 dólas, que seguramente não são encontrados em lojas pequenas e venda rápida. E fim, devem existir uma quantidade minúscula de pequenas lojas com safras um pouco mais antigas. Mas não é o padrão. Quando viajo, não vou atrás de lojas de vinho. Vou atrás do vinho, em safra mais antiga. Eles custam um pouco mais caro, mas estou bebendo vinho. Para isso o WS é ótimo.

      Um brasileiro que foi fazer a vida em outro país não pode ser criticado - sei bem o país onde vivemos. Só não queira ficar de fora com esse papinho de desiludido. A batalha é travada por quem está nela, não pelos que estão longe. E leia melhor o teor das postagens políticas. 'O governo' tem sido ruim nos últimos 25 anos...

      obrigado!

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    4. Desiludido, eu? Não sei de onde você tirou isso. Quem tem que estar desiludido é você, que vive em um país com perspectivas sombrias. Além disso, se instrui em wikipedia e paga caro por vinho fraco. Sorry dude.

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    5. Não leu o simples verbete de dicionário - para o qual a wiki é muito mais do que suficiente... é o nível dos 'lacradores' de plantão. Ademais, apenas pretende ter certeza sobre um vinho, sem melhores argumentos. Parabéns...

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