Sunday, July 23, 2023

Visita a alguns vinhos chilenos e uma grata surpresa

Introito

Agora nós estamos em guerra com a Eurásia.
O inimigo sempre foi a Eurásia.
A Lestásia é uma nação aliada.
1984, de George Orwell

   O Centro Acadêmico Livre de Ciências Sociais da UFSC, cujas dependências foram invadidas e depredadas, tendo suas paredes pintadas de branco e arruinando obras plásticas de valor inestimável, manifestou-se oficialmente sobre o ocorrido relatado na última postagem. Reproduzo dois trechos do manifesto, encontrado na íntegra aqui, e cuja leitura recomendo (é curto):

Reiteramos que a liberdade de expressão e a diversidade de ideias são valores inalienáveis no ambiente universitário... 
... 
No entanto, é importante destacar que não toleramos e não iremos dialogar com indivíduos ou grupos que propagam ideais fascistas ou qualquer forma de intolerância. (grifos meus)

 
 Exato! Não dialogar é sempre o melhor caminho! Afinal, para que valem anos e anos de estudo em uma universidade senão para manter todo o conhecimento guardado a doze chaves dentro da Sagrada Instituição, refinando-o e melhorando-o ad aeternum? O cidadão paga seus impostos, deles sai o sustento das Eméritas Universidades, e pronto! Por que o conhecimento deve retornar à sociedade, na forma de algum diálogo? Pura perda de tempo! Sou eu quem erra ao dialogar com todo e qualquer invasor destas bentas páginas onde, além de informações valiosíssimas sobre vinho, instruo o leitor sobre as sábias e imaculadas palavras de NAP! Ao lado, duas imagens da pocilga onde o MBL foi filmar as supostas instalações da USFC. Imaginem se um Magnífico Reitor permitiria tamanho descalabro nas dependências sob sua tutela. Jamais... Depois, exato novamente! Não dialogar com fascistas! Se a posição compromete indelevelmente a autocrítica, por outro lado quem está preocupado com ela?...

Registro também a brilhante cobertura jornalística realizada pelos principais meios de comunicação do país - o leitor seguramente acompanhou tudo pela televisão e outras plataformas, mas não custa assinalar, certo? É isso mesmo!, a UFSC monitorará novas ações dos invasores, afinal as filmagens não foram realizadas nas dependências da Régia Instituição, então a Reitoria não precisa preocupar-se com depredações anteriores dentro de suas portas, devendo apenas precaver-se contra atos futuros de inominável vandalismo. Em tempo: saiba-se que a depredação do patrimônio público é um ato que não causa prejuízo somente ao Estado, mas a toda a sociedade. Os crimes são passíveis de punição, de acordo com a Lei nº 2.848/40, artigo 163, que prevê detenção de seis meses a três anos e multa. Aqui. Anuncio estar coordenando junto aos leitores um lobby para indicar o veículo de comunicação e seu articulista ao Prêmio Nobel de Jornalismo pelo brilhantismo da cobertura. Como é mesmo o bordão deles? Folha: não dá pra ler. Ou algo assim. O leitor instruído entendeu bem... Por seu lado o MBL organizou-se rapidamente, em duas frentes. Cuidado com eles, pois estão prometendo pisar no pescoço de frangos...



Visitando alguns vinhos chilenos

O poder do mito só perde em força para uma nova forma de manipulação da mente humana desenvolvida e elevada ao estado de arte nos últimos setenta anos: o poder do marketing. A Concha y Toro demorou até bastante, mas finalmente engatou a ampliação de seu carro-chefe de vendas em uma gama de produtos diferentes. Diablo Black Cabernet Sauvignon 2021 e Diablo Dark Red 2021 são apresentados no sítio do produtor como envelhecidos por 6 meses, 6 semanas e 6 dias... Tirando o gosto chileno em servir vinhos na temperatura ambiente - dentro das casas há boa calefação, e não há preocupação em resfriá-los um pouco, dificultando seu melhor julgamento - Diablo CS até tem algum buquê mas passa pela boca de maneira similar a um bom e gostoso copo d'água: não deixa traço nem lembrança... uma lambança... tem um pouco da picância da Cabernet, mas só. Diablo Red chega para piorar tudo: sobra doce na boca, enjoativo, é difícil beber uma taça. E eu falando mal de Primitivos, chamando seus bebedores de bocas-tortas... a velha estória repete-se: o último nível de beatitude é o nirvana, o sétimo céu (o décimo, segundo Dante), mas na direção oposta nada é tão ruim que não possa piorar. Casillero del Diablo Reserva Red Blend 2020 é a versão reserva do clássico conhecido por aqui há mais de 30 anos. Segundo a internet é um corte Cabernet Sauvignon-Syrah. É  mais simples do que Diablo CS, igualmente ligeiro, sem acidez e desprovido de diferencial.

Ainda apareceu, em outro dia, o Diablo Deep Carmenere (não notei a safra), escoltado por outras duas garrafas do Diablo CS. A galera estava mesmo com tara por vinhos desse produtor. Não tinha o pimentão normalmente presente e agressivo dessa cepa, mas ele poderia estar escondido pela temperatura um tanto elevada corriqueiramente usada no serviço. Outros vinhos tentei servi-los em condições um pouco melhores, mas estes não estavam exatamente sob minha alçada. Ainda, nos restaurantes locais não é hábito servir-se vinhos resfriados - a menos de brancos, mas só faltava, não? - então nas visitas a eles o serviço ficou igualmente prejudicado. A pergunta que não quer calar fica assim: se localmente ainda não aprenderam a servir vinhos de maneira minimamente decente, querem convencer-me de estarem produzindo-o tão bem quanto querem nos fazer crer alguns avaliadores? Próximo!

Para fazer a postagem valer a pena, o próximo foi porreta! Sem contar a boa-nova repartida com os leitores: Yes, agora o Chile tem vinho! Uma loja importa a bebida de vários países, com foco na França. Encontrei lá - grata surpresa! - o Henri Gouges Nuits Saint Georges Premier Cru Clos des Porrets-st-Georges 2017. Nuits Saint Georges é uma denominação que conta com 41 vinhedos Premiers Crus e, até onde sei, um deles é Monopólio. Monopólios são raros na Borgonha. Após a Revolução Francesa houve o confisco de terras da Igreja e dos nobres, e elas foram vendidas na sequência. Isso fragmentou muitas áreas e apenas umas poucas foram arrematadas por um único comprador. Deve estar claro ao leitor: vinhos procedentes de monopólios são exclusividades cobiçadas pelos adoradores de Borgonhas. Ainda, a denominação de Nuits Saint Georges não tem Grand Crus. O fato explica-se pela decisão dos produtores locais, parcimoniosos, terem evitado inscrever seus vinhedos nessas denominações para evitar a incidência de impostos mais altos. E, para finalizar, Clos des Porrets-st-Georges é o vinhedo monopólio da vila... desse, bebido em comitezinho logo em minha chegada, recebeu serviço mais de acordo, aerando por cerca de uma hora e meia e depois resfriando; o resto foi felicidade engarrafada. Nariz rico, em camadas, com fruta claramente vermelha, algo na direção de couro e mais notas. Enche a boca, quer pela ótima acidez, pelos taninos ricos ou pela quantidade de frutas e notas que não consegui desvendar. A despeito dessa minha limitação, é bom o suficiente para simplesmente deixá-lo passeando em boca, engolir aos poucos e sentir sua permanência elegante. Até o retrogosto vem equilibrado. O Nagib não estava bem para bebê-lo (não lembro se bebeu um golinho), e a Magide não está acostumada a Borgonhas, mas disse tê-lo achado muito diferente. Vinho excessivamente bom é assim: você sabe estar provando algo singular. Arrebatei as duas últimas garrafa da loja - sobrou uma para trazer -, e, escrevendo a postagem, descubro o rótulo em solo brasileiro. Aqui o AoC Domaine Henri Gouges Nuits Saint Georges (não é Premier Cru) está à venda em 'promo' por mórbidos R$ 1.178,95, enquanto custa lá fora entre USD 70,00-80,00 (R$ 350,00-400,00). Já o Monopólio não está disponível por aqui, custando lá fora pouco mais de USD 100,00 - paguei um pouco mais no Chile. Até estando desatentos tubaronice ronda. Cuidado.



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