Friday, January 26, 2024

Uma comparação bem na medida

Introito

O preço para tirar os PTlhos foi bolsonésio.
O preço para tirar bolsonésio foram os PTelhos.
Oenochato

   A programação foi para um encontro corriqueiro - recomendei à Liu um branquinho nojento - e ela propôs-se obedecer à risca. Até enviou as fotos de alguns possíveis candidatos ao abate. Sugeri uma determinada garrafa - há tempos não experimentava daquela cepa... E de repente tudo foi pelos ares. Culpa da Elvira, mas vamos por partes. Em postagem recente, escrevi assim:

Vinhos bons são vinhos bons, e quando eles são realmente bons, uns defendem-se bem contra outros. O bebedor pode tocar um Brunellão, alcoólico e taninoso (sic! rs!) pra cima de um Borgonhão; este vai defender-se com sua acidez excepcional, e não cairá nesse bom combate. Quero dizer: vinhos diferentes podem ser comparados e grandes vinhos não se atropelam. Se um Brunellão atropelar outro, então o segundo não era um Brunellão, era apenas um Brunello - ou um Brunellinho. Um vinho só atropela outro se for melhor. 

   A frase surgiu no contexto do confronto entre os argentinos Catena Alta Cabernet Sauvignon e Gran Enemigo Cabernet Franc de um lado, e Château Magence e Château Meylet do outro. O atropelamento de Gran Enemigo já havia sido notado anteriormente quando um Syrah português bateu-o sem dificuldade e outro, um teco melhor, superou-o de maneira quase humilhante e não apenas na opinião deste Enochato. Sim, podemos confrontar vinhos de uvas diferentes porque a cepa em si não é o objeto em análise, mas o resultado final de sua vinificação. Tentando ser ainda mais justo, em segunda aproximação (digo, segundo evento provando do mesmo vinho, Gran Enemigo) procurei um exemplar com maior aderência à cepa da garrafa sob comparação - Cabernet Franc. Novamente Gran Enemigo caiu sem ter qualquer chance contra um oponente claramente superior. Então, invocando minha reflexão destacada acima, a questão que resta em aberto é: bons vinhos, mesmo sendo bem diferentes, podem travar um bom combate?

   Aconteceu da Elvira chegar em nosso encontro com um Barolo na bolsa. E não era pouca coisa, um Fontanafredda Vigna La Rosa, proveniente da vinha mais histórica e representativa de Fontanafredda, situada no coração de Fontanafredda MGA. Um parêntese: o sistema MGA (Menzione Geografica Aggiuntiva) foi introduzido em 2010 e refere-se a uma área específica oficialmente demarcada dentro da zona de produção de Barolo DOCG. Podemos dizer que uma MGA é o equivalente ao Cru ou Climat franceses. Estão reconhecidas 170 MGAs, com superposições, gerando as ditas áreas comunais, para bagunçar nosso entendimento. Mais informações aqui, de onde, aliás retirei a figura abaixo. Esse mapa mostra as MGA's distribuídas pela região de Barolo, com destaque para a localização do produtor Fontanafredda, à direita.


   Voltando do parêntese: seria uma ótima oportunidade para por minha teoria à prova; fomos para a adega à procura de algum bom oponente. Eu havia sugerido um embate entre Brunello e Borgonha, não? Barolo também começa com 'B' 😂🤣... é conhecido como um vinho tânico, de alta acidez e sempre envelhecido em carvalho. Os Borgonhas tendem a ser mais delicados, igualmente com alta acidez e eventualmente passando por barrica, embora por menos tempo. Contudo, a delicadeza fica de lado ao desfrutarmos de exemplares de Pommard ou Corton... é quando este Enochato gosta mais... 😏 então, para ir pra cima dele (sic!) com tudo, até tentar atropelar o oponente, pensei. E fui pegar um Borgonha legal...

Enquanto os tintos respiravam iniciamos com o branquinho nojento da Liu, o Temático Joven Torrontés, monovarietal da Bodega Foster Lorca. Não entendi esse 'Joven' como parte do nome... estariam tentando copiar a legislação espanhola? O vinho Joven normalmente não passa por barrica - pode estagiar até seis meses - e tem por característica alguma simplicidade e riqueza da fruta. Temático vai nessa vertente, com notas cítricas e um tanto mais complexo no nariz, pecando por alguma falta de acidez na boca. Note, a acidez é mais típica das cepas brancas, e Temático não a alcança bem. É fácil de beber, mas não acredito combinar com comida japonesa ou asiática, como sugere sua ficha técnica. Olha lá, com um bolinho de arroz - isso é comida asiática? Minha mãe, filha de italianos, fazia... Lá pela metade dele, pusemos os tintos n'água gelada. 

O Enochato gosta de Borgonhas mais pegados, certo? Venha um Pommard para o campo de batalha. Auxey Duresses é uma comuna de Côte de Beaune; tem nove Climats classificados como Premier Cru e os demais vinhedos recebem a denominação genérica AoC. Como em toda a região, o nome do produtor conta muito; Domaine Comte Armand está sob controle da família desde os idos de 1800, e neste caso antiguidade e qualidade andam de mãos dadas. Postos à prova, Fontanafredda chegou com nariz até redondo - temia precisar de mais ar... - oferecendo notas de frutas escuras, chocolate e mais; boca especiada, taninos quentes, ótima acidez, álcool discreto, pouco dulçor e corpo médio. Boa persistência e final. Um belíssimo conjunto para definir a chamada estrutura em um vinho: estava tudo lá, sem sobrar nem faltar. Mas tinha um Borgonha no meio do caminho... Auxey Duresses aportou nariz com boa fruta, toques terrosos e outras notas; boca com mais fruta, mineral, excelente acidez contrapondo um pouco de açúcar, taninos pegados, corpo médio a encorpado, ótimos final e persistência. O espetáculo ficou por conta da Elvira, tentando entendê-los a ponto de definir quem poderia ser melhor. Ela elogiava o tanino de um e rendia-se à acidez do outro; avaliava a complexidade de ambos, para conferir-lhes um empate... comparava o final e a persistência para não saber exatamente qual deles eleger como predileto. Lembro ao leitor desatento: a Elvira foi quem completamente às cegas tomou o Gran Enemigo por similar ao Meylet, ressaltando a inferioridade do primeiro, enquanto o safado do Parque (sic) precisou compará-lo ao Château Lafleur. Fontanafredda custa por volta de USD 115,00 lá fora, enquanto Auxey Duresses fica encostado nos USD 75,00; a diferença dele para o Premier Cru do mesmo produtor é de apenas USD 15,00, atestando sua ótima qualidade para um AoC. Parece que acertei na proposta e foi delicioso tirar a prova...
   Os vinhos do Comte Armand são representados aqui pela De la Crox, normalmente com ótimo preço. Infelizmente no momento só está disponível o ícone Clos des Epeneaux, um Monopólio da família vendido aqui a cerca de R$ 1.800,00. Sendo um vinho de USD 200,00 lá fora, vemos que dá menos de 2x, apesar da montanha de dinheiro necessária para sua aquisição.

   Esta postagem foi tocada a um final de Korem 2015, da Argiolas, produtor da Sardenha, acompanhado dos queijos Diadorim e Iracema, de um produtor da região, a Vivedouro, de Ribeirão Bonito. Diadorim, com corpo mais mole envolto em casca mofada, casou um pouco melhor, mas queijos não são adequados para um Korem. A Liu gentilmente trouxe-me uma amostra de ambos depois de ter visitado o produtor.


Os valores dos vinhos lá fora





2 comments:

  1. Neste dia de mesa “farta” a quem proporcionei a saudosa degustação de um branquinho Torrontês, modéstia parte, elogiado! Tive a honra de brindar a entrada do Ano Novo 2024, desfrutando de um Barolo e um Auxey Duresses, mas o brilho ficou por conta das ilustres companhia e os “doces” ensinamentos.

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    1. 🙂 Olá, Liu. Grato pela leitura... teve tudo muito bão...

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