Saturday, December 25, 2021

De como a vestal Luciana salvou minha combalida honra

Introito: um presente de Natal

   Espaço, a fronteira final. Começarão em breve as observações do Telescópio Espacial James Webb (JWST na sigla em inglês). Sua missão de dez anos: explorar novos mundos, buscar formas de vida e perscrutar os confins do Universo, corajosamente olhando onde o homem jamais poderia ver. Esse arremedo introdutório à la Star Trek alardeia que hoje de manhã (horário de Brasília) a humanidade ganhou um belo presente de Natal: foi posto em órbita, primeira etapa da jornada que levará a seu posicionamento final, o mais novo telescópio espacial que vai suceder e complementar o Hubble em nossa jornada pelo conhecimento. O JWST foi construído para olhar o universo da faixa do infravermelho, região de espectro que não podemos pesquisar a partir do solo devido à grande interferência da nossa própria atmosfera, e o Hubble não foi construído para essa finalidade - sua temperatura de operação, cerca de 15 °C, já emite radiação térmica o suficiente para inviabilizar a captação de dados. O JWST tem múltiplas finalidades, como estudar a luz das primeiras galáxias que se formaram após o Big Bang; estudar a evolução das galáxias e a formação de planetas e sistemas estelares, e procurar por planetas que possam conter vida inteligente. Enquanto os primeiros tópicos sejam da área da astrofísica, este último é talvez o Santo Graal da astronomia moderna. A ideia é simples: planetas habitados por espécies inteligentes devem ter uma assinatura térmica diferente dos demais planetas, uma vez que qualquer civilização técnica vá dispersar o calor de seus equipamentos na faixa do infravermelho. Mais um pouco, aproximamo-nos de um futuro antes só especulado pela mais desvairada ficção científica. O JWST homenageia James Edwin Webb, administrador da NASA no período entre as missões Mercury e Gemini. Com o incêndio na Apolo 1, que vitimou os pilotos na plataforma de lançamento em pleno teste de rotina, Webb aceitou assumir a culpa e trabalhou sutilmente para desviar a atenção do público tanto da NASA quanto da própria administração nacional - exercida por Lyndon Johnson desde o assassinato de Kennedy. Esse gesto custou-lhe o cargo. Em algum momento a homenagem foi posta em suspeita pela alegação de que Webb participara dos expurgos de funcionários públicos por serem homossexuais, incluindo um da própria NASA; evento conhecido como o susto de lavanda. Sem provas concretas que atestassem tal alegação, a homenagem continuou. Mas ora... um fedor de revisionismo histórico tem nos cercado de algum tempo para cá. Fruto de mentes seguramente afetadas pela falta de oxigênio, esse comportamento tem se unido ao tal do politicamente correto para cometer atrocidades. As pessoas são fruto de suas épocas. Na Grécia Antiga, enquanto víamos o nascer da democracia, havia clara aceitação da escravidão. Escravidão que, mesmo às portas do Iluminismo, teve na Igreja Católica um de seus maiores bastiões. Na década de 1920 as teorias de eugenia originadas no final do século XIX ainda estavam em voga na Europa. Apenas aconteceu do Hitler levar toda a culpa, mas seus defensores espalhavam-se por todos os continentes. Então, o revisionismo não pode querer recontar a história pela supressão dos fatos ou personagens. A evolução humana se faz com o aprendizado de seus erros, e esquecer-nos deles é que nos levará à derrocada. Pessoas em posição de comando não são imunes a enganos; devemos olhar o conjunto da obra com orgulho dos acertos e sem tentar jogar para baixo do tapete o que possa nos envergonhar. Devemos, antes de tudo, saber o que aconteceu sem jamais nos esquecermos disso, sempre evitando o caminho fácil da ignorância e do obscurantismo. E isso é tudo o que eu eu tenho a dizer sobre isso (sic).

O encontro de final de ano das Noivas de Baco

Da esquerda: Ricardo, Eduardo, Tatiane, Gustavo, 
este Enochato, Luciana, Renata e Dayane.
Foto: Sofia, filha da Renata.
Após o encontro da quinta-feira no Shot Café, as Noivas de Baco reuniram-se novamente no sábado. Até o Ricardo, ainda sem poder orar a Baco com todo o fervor que a prática requer, afastado da taça que está, uniu-se a nós para o culto. Cheguei pontualmente como compete a um prelado, e fui o primeiro. A anfitriã Luciana mostrou-me sua sugestão e considerei que seria (mais) uma ótima experiência servirmos às cegas. Havia aerado e embrulhado meu vinho e levei-o também às cegas. Combinamos um amigo secreto onde o presente seria uma garrafa de vinho e o ganhador colocaria a própria garrafa na degustação. Alguém estava prestes a levar a fama com meu vinho, e pensei comigo que não podia deixar por isso mesmo. Chegaram todos, cumprimentos daqui, conversas de lá, e de repente estávamos à mesa com os nomes de cada um nos papeizinhos trazidos pela Dayane. Passei a mão palma da mão sobre eles como a sentir suas emanações enquanto avisava: quem tirasse o próprio nome que tivesse a decência de ficar quieto, para evitarmos repetir o sorteio vezes e vezes sem fim. Sugeriram que eu começasse revelando meu contemplado. Porque você é o prelado - respondeu alguém à minha pergunta. Olhei para todos:
   - Vou começar cometendo um sincericídio, então. Peguei uma pessoa que pensa saber sobre vinho, mas precisa estudar muito para poder dizer que sabe pouco. - todos olharam-me surpresos. - Nada entende de harmonização e vive confundindo uvas - ou ouvintes começaram a olhar uns para os outros preocupados. - Já viajou um tanto mas de nada adiantou, continua dando mancadas sempre que pode, - precisei interromper meu discurso para soltar um Não é você para um confrade que apoiara a cabeça na mesa, escondendo-se com os braços. Ele levantou-se tentando sorrir, enxugando algumas lágrimas enquanto todos olhavam-no. - e garanto que continuará assim pelos próximo anos - fiz uma rápida pausa e todos miraram-me atônitos. Não sabiam o que dizer. Alguém engoliu seco. Levantei o papelzinho contendo o nome do meu amigo secreto ainda fechado, segurando-o com o polegar, o indicador e o médio, e com um gesto teatral abri-o na frente de todos - Meu amigo secreto sou eu mesmo! - todos riam; ninguém havia percebido minha prestidigitação. Houdini que se cuide...

Servi o primeiro vinho, ofertado pela Luciana - não lembro quem ganhou - e era um branco. O Eduardo acho que aventou Sauvignon Blanc, mas mudou para Chardonnay. Não lembro bem o que outras pessoas avaliaram, mas alguns também ficaram com Chardonnay. Não me recordo se mencionei um toque salgado na boca antes ou depois da revelação, mas tratava-se de um Domaine Chatelain Les Chailloux Silex 2018 da região de Pouilly-Fumé, Vale do Loire. 100% Sauvignon Blanc, notas muito cítricas - acho que alguém falou em pera - boca com ótima acidez, também cítrica e o toque salgado já mencionado, com boa permanência e bom final. Relembrei aos confrades a minha percepção do salgado, que no encontro anterior levara-me a opinar que vinho degustado era um Sauvignon Blanc e não um Chardonnay. Houve boa concordância: um lembrava o outro. Assim a vestal Luciana salvou o pouco da minha honra depois do fracasso da quinta-feira. O Eduardo apresentou um 5TA Generacion Gran Reserva Malbec 2015 da vinícola Goyenechea. Gostei; boa fruta, madeira e algo de café/chocolate, boca equilibrada, bons taninos, corpo médio, final e permanência bons para um sul-americano. Faltou um tanto de acidez, mas esse mistério não costuma mesmo frequentar as garrafas daqui. Apareceu um Flor de Crasto 2020, Douro que já bebi muito. Minha percepção foi que mudou um tanto desde os idos de '06, quando era um pouco mais pegado. Claro, minha boca mudou também, mas já naquela época a comparação entre duas safras distintas surpreendeu os degustadores. Estava claramente mais para o lado daquele 2009, com fruta e baunilha, fácil de beber e agradável se acompanhado de um salame. Veja as impressões do vínculo para sabe mais. Meu Leone Rosso 2018, produzido pela Donatella Cinelli, entrou em cena e praticamente evaporou. Era o quarto vinho, o pessoal já tinha bebido bem, mas não se fez de rogado. Servido mais ou menos com a saída do churrasco, fez um bom par. Como teve um bom serviço, as características aproximaram-se bem da postagem passada, que o leitor acompanha aqui. Teve ainda um Anciano Criança Tempranillo 2015, vinho rápido e barato que não fez má figura. É bem simples, e sua maior qualidade é não ser desbalanceado - a menos de um toque doce a mais. Mas não tem álcool aparecendo, a acidez se é baixa não destoa dos taninos que também são discretos, enfim, é um vinho que bebemos sem reclamar, ao contrário de alguns sul-americanos que podem ser um tanto enjoativos. Não senti que o doce fosse enjoativo, mas bebi pouco. Tinha ainda um Beauty in Chaos 2017, que pretendi deixar para mais tarde mas não avisei os confrades; quando vi, era-se uma vez... 

A Luciana ainda nos surpreendeu com prendas natalinas e, para completar, degustamos novamente do Jerez Viña 25 recentemente comentado, desta vez acompanhado com marzipan. Foi uma ótima harmonização, que deixou a todos extasiados. No final, a galera saiu xingando - acabou rápido demais - e prometendo mais para 2022. Estaremos a postos...
   O Ricardo? Só no suco de uva, um pouco deslocado na foto junto dos vinhos. Baco entendeu...

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