Saturday, June 3, 2023

Espanholetos

Introito

O que está comprado,
não se vende.
Dito d'Oenochato

   Dizem por aí que Nosso Amado Presidente (NAP) projeta transformar o Brasil em uma Venezuela. Como já vimos, a situação Bolivariana abraça a normalidade, com economia pujante, inflação sob controle e instituições funcionando plenamente; parearmos com o vizinho deveria mesmo estar entre nossos sonhos de consumo. Os quais, aliás, devem ser mais modestos, conforme ensina Nosso Guia:


   Ouviram? Uma televisão já está bom! Não precisa ter uma em cada sala! Nem no quarto! Uma só! O que mais quer? Trezentas garrafas de vinho na adega? A classe média precisa aprender a não ostentar. Veja aí (vínculo comprova a imagem abaixo): ao encontrar móveis em péssimo estado de conservação no Alvorada, NAP precisou improvisar, para não ser obrigado a dormir ao relento; deu mostra cabal de parcimônia e economia:
   Uma cama! Um sofá! E mais uns poucos - pouquíssimos! - itens. Quer ter sofá até na cozinha, agora?!
   E a nova mania é atacar o indicado de NAP à Suprema Corte. Invejosos! Indica quem pode, quem não pode baixa a orelha! Acerca do contemplado, Zanin:
   * É maior e vacinado - é maior de 35 e menor de 75 anos.
   * Tem notável saber jurídico comprovado - inocentou completamente Lula em todos os seus processos. Até a torcida do Coríntias (sic) sabe disso. Eu mesmo já comentei isso anteriormente, basta conferir!
   * Tem reputação ilibada - defender bandido não suja o bom nome dos advogados; e qual profissional do direito nunca defendeu um bandidozinho pelo menos, na vida inteira? 
   * Tem fidelidade canina. - Nada a acrescentar sobre esse ponto. Senão, quero porque quero - exijo! - perguntar-lhe diretamente...
   Portanto, ele está apto a ser indicado e desempenhará - não possuo a menor dúvida, um único resquício de incerteza, a menor insegurança - suas funções da maneira mais digna, honesta e desinteressada jamais vista desde a indicação do Visconde de Sabará como primeiro presidente da impoluta Casa. Tenho fé! Tamanha fé a ponto de conclamar os leitores a juntarmos nossas fezes em coro de apoio à indicação! Deus acima de tudo, Brasil acima de todos!

Espanholetos à mão cheia

   - Vamos de espanhóis hoje! - provocou a sra. N, ao telefone. Ao desligar, pensei ter ouvido o Capitão Nascimento soprando-me seu provérbio nos ouvidos; Missão dada, missão cumprida! Desci para a adega - apenas 299 garrafas, agora - e escolhi um representante na certeza de não fazer feio sob qualquer circunstância. Cheguei lá e a garrafa dela estava em cima da mesa, aguardando ser aberta. Per Bacco! Pela Madona! Mas devagar, suspense antes! A Elvia e a Margarida andaram saracoteando pelas Európias no início do ano; cismada com uma beberagem degustada há priscas eras na mesma Alemanha do roteiro desta vez, a Elvira esforçou-se até encontrá-la novamente: um Aperitivo Balsâmico cujo nome do meio poderia ser Majestoso: Aperitivo Balsâmico Emma Erdbeere. Não duvido de sua utilidade como tempero para salada também, mas a proposta - está no rótulo! - é ser aperitivo... degustamos os 100 mL em quatro, e surpreendeu a todos pela nota de azeitona bem marcada e ótima harmonização com gorgonzola - italiana, mesmo. Nariz mais complexo além da mera azeitona, mas ela vem na frente, bem definida. Boca agradável, ácida, permanência longa, diria... um must! Precisei fotografar o rótulo traseiro em duas partes separadas. Consultando o Google, erdbeere é morango, então Emma deve ser o produtor. Se alguém for mais iniciado em alemão, pode dar pitaco!


   Taí uma sugestão para os importadores. Sem tubaronices, por favor!


Enquanto apreciávamos o aperitivo, fui servindo meu Valduero Crianza 2016, um Ribera del Duero degustado pela primeira vez há um ano. Mostrou-se redondo e mais pronto; entre conversa inicial, prova do aperitivo e serviço da primeira taça não foi uma hora, e manifestou nariz rico em frutas e outros aromas - café? chocolate? Mais alguma coisa... Taninos bem redondos, integrados com álcool e madeira; acidez bastante digna (rs), combinando com entradas de embutidos mas sem uma harmonização com "H". Bom final, agradável, macio em todos os momentos, desde a entrada em boca. Um bom vinho, e se comprado a preço honesto fica imbatível. Reputo estar pronto, mas pode ser guardado. Ao lado dele - e para meu desespero - veio um Marquês de Murrieta Reserva 2016. Marquês de Murrieta é um grande produtor de Rioja. Já provei dele o branco Capellania Reserva 2006 e o Castillo Ygay Gran Reserva Especial 2004, não postados mas registrados com fidelidade pelo Don Flavitxo aqui e aqui. Para estabelecer a hierarquia, o Castillo Ygay é 'irmão' do Dalmau e ambos estão acima do Reserva. Murrieta Reserva chegou às taças junto dos bifins, diligentemente preparados pela Dona Neusa...e não estava pronto... 🙄 Tinha todos os predicados de um excelente vinho, mas parecia um Porsche preso por correntes de titânio a um transatlântico. Muito fruta, mas um tanto dura; mais notas, também presas. Boca um pouco pesada, onde notava-se boa acidez, taninos densos e madeira evidente. Foi abrir cerca de duas horas depois, com uma explosão de frutas; a boca encontrou o nariz e milagre da transmutação aconteceu, mas estávamos na última taça. O Wine Sercher dá como janela de beberagem (sic) 2020 a 2026, e digo sem medo: mentira! Valduero - coincidentemente na mesma safra - está pronto sim. Note, é um crianza! Alguém comentaria: está pronto, mas faltou aeração... Talvez. Espanhóis - mesmo vinhões - muitas vezes são mais diretos: Vega Sicília Único (aqui), La Rioja Alta 904 (aqui e aqui), Emilio Moro Malleolus de Sanchomartin (aqui, thanks again, DonFlavitxo), claro, com ligeira aeração, e algum envelhecimento, mas você abre e bebe. Não foi nem um pouco o caso de Murrieta Reserva. Inconformada, dona Neusa jurou voltar lá no Canadá e pegar mais algumas garrafas. Embarca quinta-feira!

2 comments:

  1. Gostei da parte dos vinhos 🍷

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    1. Obrigado pela leitura.
      A primeira parte é 'editorial', e não está sob discussão, de qualquer maneira. Apenas acredito que a parcela mais abastada da população não pode mais permanecer em siLêncio frente às barbaridades constantes que acontecem por aqui.

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