Monday, March 18, 2024

Uma semana triste

Introito

No dia 13 passado tivemos mais um encontro no Shot Café/Vinho, com apresentação de uma viagem ao Egito pelo viajor Eduardo, da Caminhos do Turismo. Não bastasse, era aniversário dele. A surpresa para todos chegou quando o Edu começou a tentar nos dizer, com olhos embargados, parando de tanto em tanto para tentar conter a emoção, que preferia nenhuma manifestação mais efusiva pela data; ela estava eclipsada de maneira indelével pelo estado de saúde crítico da mãe de uma de nossas queridas confrades. Ela veio a falecer na sexta-feira, e infelizmente a distância a separou de nós todos. Ficam nossos melhores sentimentos - não apenas os meus, mas de todos os participantes do encontro, que manifestaram sua solidariedade sem mesmo conhecer a confrade.

A degustação das Arábias

Bem, a degustação não foi das Arábias, mas do Egito, embora o Edu tenha passado ali por perto também. Mas tinha camelo, o que por algum motivo dá-me um quê de Arábias... Os vinhos não foram de lá, apenas o assunto rondou esses lugares. Começamos com dois brancos, mas lembro-me de somente um: o Corte del Golfo Coda di Volpe Irpinia 2020. As coisas complicam, aqui. Coda di Volpe - Rabo da Raposa - é o nome da invulgar cepa branca da região da Campania, na 'canela' da bota. Infelizmente foi servido em uma taça desajeitada, e meu nariz estava algo ruim no dia. A mulherada estava afiada: alguém disse ter mel - segundo a ficha técnica, tinha mesmo. Ainda cravou-se outra expressão corretamente, não lembro-me qual. Sem acidez, não chamou-me a atenção. Tivemos um Brumes de Gascogne Merlot e Tannat 2021, localizada no sudoeste da França - mais ou menos fica abaixo de Bordeaux, em direção à Espanha. Pega um pouco mais das terras à direita também - lembre-se: Bordeaux fica próximo ao Atlântico; o sudoeste vitivinícola desce em direção da Espanha espalhando-se para o interior, a leste. Essa região é caracterizada, dentre outros detalhes, por ser o lar da Tannat e da Malbec na França, em comunas distintas. Brumes de Gascogne é um pouco ligeiro, leve, e novamente a mulherada notou (e acertou) cereja. Alguém ainda mencionou a cepa. Os homens ficaram como avestruzes. Achei que casou com pizza, mas aprecio mais vinhos de maior corpo; pode ter seu público e apenas este Enochato não faz parte dele. O Castello Di Querceto Rosso Toscana 2020, com melhor corpo, agradou. Se não me engano o corte Sangiovese, Syrah e Merlot é produzido em Chianti, e Querceto acaba rotulado como IGT pela presença da Syrah - até onde sei a Merlot foi permitida na DOCG, mas não a Syrah. Tinha fruta evidente, e outras notas; boca um pouco mais pegada mas faltou um teco de acidez para dar graça à composição. Tinha outras expressões, mas acabaram passando.

Esticando na adega do Enochato: erros que foram acertos

Apesar do infortúnio anunciado, a data ainda era comemorativa. Convidei os presentes para esticarem a noite. Fui à pizzaria, duas quadras dali, encomendar uma única peça, e quando retornei o número de pessoas dispostas a degustar mais algum vinho tinha dobrado 😣. Uma turma heterogênea, pensei rápido: mais um ótimo grupo para experiências deste Enochato. Servi dois vinhos às cegas enquanto o terceiro respirava um pouco à vista de todos. Como mencionado, o grupo continha desde neófitos até gente mais experiente, que curte viajar para vinícolas e conhece vinho há até mais tempo do que este escriba. Após ouvir algumas opiniões rápidas "gostei/não gostei/gostei mais", pedi ao Waldomiro uma análise mais técnica. Confrade eventual de quase duas décadas, ele tem bastante experiência com vinhos do velho e novo mundo. Achou o primeiro vinho 'até bom' embora ligeiro; podia ser bebido sozinho e agradar; avaliou em uns R$ 80,00. O segundo, bem mais estruturado, mereceria um acompanhamento, e estaria na faixa dos R$ 120,00-R$ 150,00. O primeiro era o Tarapacá Etiqueta Negra Cabernet Sauvignon (preço: R$ 170,00 em 'promo' a até R$ 320,00), e o segundo era nosso valente e valoroso Quinta de Chocapalha 2016, que comprei a cerca de R$ 90,00. Em termos de preço de mercado, as avaliações do Waldomiro soaram um fora excepcional. Mas... como é mesmo a estória repetida ad nauseam por aqui?, vinho sul-americano está caro demais.... Pois é! O Waldomiro avaliou corretamente - comparando pelo preço de mercado - o quanto deveria valer (posto aqui!) um Tarapacá Etiqueta Negra e acertou o preço 'normal' (tubaronesco) do Quinta de Chocapalha. O preço baixo (na verdade, honesto) de Chocapalha (abaixo de R$ 100,00) deve-se possivelmente, à crise não comentada pela qual passam as tubaronas - e talvez todas as importadoras do país. O pessoal está queimando 'lucro excessivo' e desovando com margens mais condizentes. Se prestar atenção tem muita oferta interessante por aí. E voltando ao Waldomiro, sua avaliação correta do 'preço brasio' para o Chocapalha mostra (risos!) quanto ele precisa usar mais o Wine Searcher e preservar suas compras. Fora isso, walew, Waldomiro!

   A segunda parte foi um fora deste pobre-coitado: o Edu falou em beber um Rioja; imerso na soberba, puxei um Ribeira del Duero... 😣. Era o Pago de Los Capellanes Joven 2019, já comentado outras vezes. Pelo menos, após aerar por uma boa hora antes de ir para o balde, ele mostrou ótima fruta e estrutura, deixando para trás os dois primeiros. É mesmo outro padrão de vinho, e esta safra pode ser guardada por mais alguns anos. Tenho comentado isso com a Paduca: eles ficaram entusiasmados após experimentar o Gran Reserva do Bilbao - está aqui - contra um Muga Reserva novo e não pronto para ser degustado, e exultaram-se com o primeiro, sem notar bem o potencial do segundo. Observemos tratar-se de um Reserva versus um Gran Reserva. A estória repete-se: um produtor melhor faz diferença. Não que os vinhos da bodega Ramón Bilbao sejam ruins, mas para mim afigurou-se uma boa fronteira para futuras experiências, principalmente com iniciantes: comparar o quanto um Gran Reserva de certo produtor pode ficar abaixo de um Reserva - ou mesmo Crianza - de outros produtores. Um tema a ser explorado em futuras brincadeiras.

Outro falecimento

Nesta segunda-feira, amiga querida e confrade faleceu, levada pelo câncer, na flor dos 82 anos. A Margarida M.M. Tavares, terceira da esquerda, entre a Márcia (segunda) e Elvira (cabeceira) sempre compareceu às reuniões munida de bom humor, graça e leveza, insistindo que não entendia nada de vinho; ela apenas gostava ou não gostava do que ia provando. Não entendendo, do que gostava mais, ao final repetia uma taça. Convençam-me dessa verdade sob minha afirmação: ela sempre escolhia, para repetir, o melhor vinho da noite... 😏 safadinha, enganava todo mundo e jamais percebemos. Tão logo escureceu nesta noite, busquei meu telescópio e apontei para a saída do nosso sistema solar. Não vi, mas senti: ela já passara por lá, em direção ao Grande Tudo. Fique onde ficar, esse lugar está mais divertido agora.

2 comments:

  1. É meu amigo CA, semana de encontros e sensibilidades, entre vinhos, conhecidos e novos “conhecidos”, aromas e sabores! Acertos de mel e cravados de pera, com a emoção visível do aniversariante da noite, elevando o feliz aniversário para uma linda oração e energia para os ausentes, os presentes e aos que partiram✨ … a vida segue sem pedir nada, sem cobrar nada 🥂 nos presenteando com saúde 🍾 aproveitem!

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    1. Olá...
      Obrigado pela leitura, e por mais estes comentários, sempre tão delicados. Repito, a mulherada deu um show naquela degustação. Seus palpites foram bem certeiros... parabéns!

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