Sunday, March 31, 2024

Vaticínios de Don Flavitxo, ou O Dilema do Enochato

Introito

Melhor um ano antes
do que um dia depois.
Don Flavitxo

Com essa máxima, Don Flavitxo explica: é preferível beber o vinho um pouco mais jovem a correr o risco de perdê-lo para um maior envelhecimento na tentativa de encontrá-lo em seu pico. Não discordo totalmente, mas também não é justificativa para ele beber (bons) Barolos e Brunellos 2017, 2018 😣...  tá, ele também bebe uns 2012, 2014, às vezes 🤣😂😅... Apenas - palavras dele! - um dos melhores e mais poderosos Chiantis que já bebi foi um Felsina (produtor) Berardenga (região de Chianti Classico) 1999, oferta minha, degustado em janeiro de 2021... minha postagem está aqui, e a dele, aqui - espero que esse link funcione depois... 🙄. Claro, segurando vinhos corremos alguns riscos. De repente - não sei se estou correto - algum problema de rolha - e não do vinho em si - pode ser potencializado pela guarda. Tá, faz parte do risco... eu o corro. Até uns poucos anos atrás minha adega era muito nova: barolinhos e brunelinhos '04 a '06, xatenefinhos '09, 10, borgoinhas '05, '09, e o pior, bordozinhos '09, 10... bordozinhos são vinhos para durar 50 anos, especialmente nessas safronas... como eu iria bebê-los na mais tenra idade? Sim, o leitor atento presenciou algum xatenefinho '01, o Berardenga, um Montrose com 17 anos e uma ou outra degustação de vinhos algo melhores devidamente envelhecidos. Mas sou somente um pobretãozinho, e não pobretãozão completo, certo?!

Recentemente, Don Flavitxo me cutucou no Zapi: estou guardando meus vinhos por muito tempo. Ele mesmo relatou experiências desastrosas com vinhos mais antigos, e tem muitos envelhecendo ao mesmo tempo. De fato, é uma infelicidade aquele vinho tão carinhosamente guardado estar passado... Mas faz tempo que não me chama, o canalha!, enquanto isso os vinhos dele envelhecem! Prá reclamá (rs), ele está aí presente, né?! Lavação de roupa à parte 😆, fiquei realmente apreensivo: o vaticínio de Don Flavitxo tem base sua própria adega, muito melhor do que a minha. 😱 Deus do Céu, colocou-me em um dilema sério - seríssimo!: E se meus vinhos estiverem mesmo indo?! Com que cara vou servi-los a meus ilustres convidados, abrir alguma garrafa com toda a pompa e notar que o vinho foi embora?! Penso, penso, penso, e só encontro uma possibilidade: urge poupar meus confrades de tamanho dissabor - e a mim de enorme desgraça, tornando-me alvo de seus comentários resgatando as sábias palavras de D. Flavitxo! Começarei a tocar fogo (sic) nas garrafas, sozinho! Assim, guardarei para mim a vergonha dos que não estiverem bons! E olha, é pra já!

Bruno Clair Aloxe-Corton 2008

O Bruno Clair - dizem por aí - não está na parte de baixo da tabela (sic) dos bons produtores da Borgonha. Nem no meio. Proprietário de vários vinhedos Grand Cru, seus principais rótulos alcançam USD 500,00 em boas safras. Sobram para pobretões os exemplares mais simples e intermediários, pacote do qual este Corton é bom exemplo. Custa entre USD 60,00 e USD 80,00 e, junto de Pommard, é outra região da Borgonha onde os vinhos são os mais pegados, com taninos poderosos e ótima estrutura. Notas terrosas e compota denotaram seu envelhecimento. A cor também revelou seu estágio terciário indo para um pouco atijolado, mas a boca estava como eu gosto: tânico, pegado, ótima acidez, álcool (13%) bem integrado, toques de carne e herbáceo, com persistência longa de verdade, daquele tipo que quando mastigamos com a boca vazia, notamos quanto do vinho continua lá. Tinha pensado em beber dessa garrafa com alguém, mas não lembro-me agora quem seria... o próprio Don Flavitxo? Talvez fosse... já foi - uma pena para ele - e esteve bão, mas bão mesmo... a rolha desta vez não foi a vilã, pelo contrário: como podemos ver, cumpriu seu papel conforme o esperado.


O segundo dia

   Concluo a postagem no segundo dia, vinho aberto há praticamente 24 horas. O buquê a carne acentuou-se um pouco, e os toques terrosos também estavam lá. A acidez estava vibrante, e a persistência bem perceptível. Cortons em geral apresentam essa cara, e boa longevidade. Bebe um Grand Cru '99 do Bertrand Ambroise há alguns anos - beirava 20 anos - e, mesmo aerando por seis horas, notava-se claramente como ele estava fechado. Teria ficado ótimo com 24 horas... Não combinou com o bifim ao molho gorgo, mas foi o que eu tinha comprado para o final de semana com feriado. Sei, sei... Borgonha combina com pato. Preciso apender a cozinhar de verdade...

Resenha: O Problema dos Três Corpos (livro!)

O Problema dos Três Corpos
é o primeiro volume da trilogia de Cixin Liu, escritor chinês e primeiro autor não anglófono a ganhar o Prêmio Hugo de ficção científica na categoria Best Novel, em 2015. Saiba mais sobre o prêmio aqui. Antes de comentar sobre a obra, uma palavra acerca das resenhas, nos dias de hoje. Impressiona o quanto pseudo-resenhistas não conseguem escrever um parágrafo sem adiantar temas ou passagens importantes das obras, sejam elas cinematográficas ou literárias. Esses estragos não limitam-se a colunas, e atualmente invadem até mesmo a contracapa ou orelhas das próprias obras que deveriam ser enaltecidas, mas jamais desnudadas às vezes até a seus clímaces! A edição brasileira tem ainda alguns erros graves de tradução - mas há crédito a duas revisoras... Não bastasse, o comentário da contracapa é grosseiro: Uma novela clássica de ficção científica no melhor estilo de Arthur C. Clarke (para quem não pegou, ele foi o autor de 2001 - escrito depois da produção do filme - O Fim da Infância, A cidade e as Estrelas e Encontro com Rama, obras seminais da ficção científica escritas entre os anos 1950 e 1970). Completamente errado. É preciso ler o livro direito para resenhá-lo! Escrito com delicadeza literária raras vezes visto no gênero - sua preservação para o português é seguramente mérito da versão em inglês, utilizada na versão brasileira - a estória está muito mais para a poesia de Ray Bradbury do que para o cientificismo de Clarke - mesmo sendo O Problema dos Corpos um exemplo de Ultra-Hard Science Fiction por excelência (para saber o que é Hard-Science Fiction, aqui; entenda esse Ultra-Hard como um passo além da definição de Hard). Tá entendendo (sic) porque a obra papou o Hugo?

Durante a Revolução Cultura chinesa, a astrofísica Ye Wenjie, presencia o assassinato de seu pai, cientista da Universidade de Tsinghua. Enviada como membro de uma brigada de trabalhos na Mongólia, acaba presa sob acusação de atividades subversivas mas é resgatada para trabalhar em um laboratório secreto próximo. Acreditando tratar-se de uma arma chinesa para danificar satélites inimigos em órbita, ela passa a conhecer cada vez mais o equipamento. Ao deparar-se com informações de outras pesquisas que levam-na a acreditar poder utilizar-se do nosso Sol como amplificador de mensagens para as estrelas, ela tem a ideia de fazer um teste escondido de seus superiores. Com o relaxamento das dissenções sociais, ela volta a ser professora em Tsinghua e conhece um ambientalista ocidental vivendo como eremita na China, alguém com quem ela descobre ideais em comum e um profundo desejo de mudar a humanidade. Após partilhar com ele seu experimento inicial, eles embarcam em uma jornada cujos acontecimentos arrastarão o leitor para questões filosóficas e morais acerca de nossa espécie, e muito mais além. Com a estreia da série homônima na Netflix, o leitor talvez saiba mais do que se trata, mas assumirei que não saiba. Como o autor só revela suas intenções ao redor da página 200 - o romance tem 320 - deixo o convite para o leitor desta resenha descobrir por si o caminho seguido pelos protagonistas e suas implicações. A estória é super tecnológica - mas didática na maior parte do tempo - sem complexidade exagerada, embora profunda, e trata do futuro da humanidade com seriedade e muita imaginação, mantendo o leitor cada vez mais interessado, até a última página. Não tenho acompanhado muito da ficção científica mais recente, mas O Problema dos Três Corpos seguramente se encaixa entre os melhores romances que já li no gênero. Para quem contabiliza a leitura de uns 1.000 livros dentro dessa categoria, foi um prazer encontrar uma estória dessa qualidade. Já estou na metade do segundo volume.

6 comments:

  1. Olha, Big Charles, chutando baixo, 10% dos vinhos de sua coleção já foram para o beleléu… 🤦🏻‍♂️😩

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    1. 😥 soou como maldição... obrigado pela leitura...

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  2. Carlos, quem bebe Barolo e Brunello com menos de 10 anos tá jogando dinheiro fora. Eu procuro comprar mais velho ou guardar. Tem que ter paciência para aproveitar.
    Abçs, Dionisio

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    1. Olá, obrigado pela leitura e pelo comentário. Eu apenas fiz uma brincadeira com o Flávio, pois às vezes a turma da confraria dele não tem tanta paciência. E, justamente por isso, tenho guardado pacientemente alguns barolinhos e brunelinhos '04 a '07, embora tenha algo 2010 também... que pretendo começar a abrir este ano. Aos poucos...
      Walew.

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  3. Entendi. O que é um vaticínio, Carlos?
    Abçs

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    1. 😶 uma... 'previsão'? Quiçá uma profecia?

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